Quando o Sol se escondeu há 90 anos, na ilha do Príncipe, confirmou-se a Teoria da Relatividade
Há duas semanas, Luís Aires Barros, presidente da Sociedade de Geografia de Lisboa, decidiu mergulhar nas relíquias do sótão da instituição. Um grupo de investigadores preparava um regresso ao Príncipe para comemorar os 90 anos da expedição do astrónomo Arthur Stanley Eddington à ilha, onde confirmou a Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein, e Aires Barros queria ver se conseguia encontrar documentos que mostrassem que Portugal contribuiu para a célebre viagem.
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Há duas semanas, Luís Aires Barros, presidente da Sociedade de Geografia de Lisboa, decidiu mergulhar nas relíquias do sótão da instituição. Um grupo de investigadores preparava um regresso ao Príncipe para comemorar os 90 anos da expedição do astrónomo Arthur Stanley Eddington à ilha, onde confirmou a Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein, e Aires Barros queria ver se conseguia encontrar documentos que mostrassem que Portugal contribuiu para a célebre viagem.
Começou a abrir caixotes onde estavam encerrados documentos desde 1914 a 1918. E encontrou verdadeiras relíquias. Cartas trocadas entre a Sociedade de Geografia de Lisboa e a Royal Geographical Society de Londres, com dados que ajudaram a preparar a viagem de Eddington.
São cartas manuscritas, outras dactilografadas, entre o então secretário-geral perpétuo da Sociedade de Geografia, Ernesto de Vasconcellos, e o seu homólogo inglês, Arthur Hinks, e ainda cartas da Sociedade de Geografia com a Sociedade de Agricultura Colonial, no Príncipe. Mapas da ilha do Príncipe, ainda de finais do século XIX, e dados pormenorizados, em tabelas meteorológicas de números pequeninos, com toda a informação sobre chuva, temperatura e horas de luz da ilha do Príncipe, registados no mês de Agosto e ao longo de três anos, entre 1914 e 1916. Tudo para preparar a expedição de Eddington.
"Foi uma sorte. Estamos num pico de entusiasmo. Encontrámos uma relíquia. São documentos valiosíssimos", confessa Aires Barros. Estavam em caixotes, datados, atados com cordel, "assim como os embrulhos feitos pelas avós", descreve.
Começou no caixote de 1910. E foi abrindo caixas até 1916. Chegou então ao que queria. "São os primeiros documentos que provam que houve troca de informação entre a Sociedade de Geografia de Lisboa e a Royal Geographical Society. Estavam fechados desde o início do século XX, desde que foram arquivados. Nunca mais tinham visto a luz do dia. Quase cem anos num caixote."
Sónia Frias, presidente da Comissão Africana da Sociedade de Geografia de Lisboa, que organizou a expedição que entretanto partiu no sábado para a ilha do Príncipe, 90 anos depois da de Eddington, não esconde também o entusiasmo: "Estou comovida. São 90 anos de uma teoria que não revolucionou só a física, revolucionou a história da humanidade e disso percebo eu que sou antropóloga. É algo que pode ser comparado, em termos de revolução, ao bipedismo ou à oponência do polegar, que foram revoluções espontâneas. Parecia quase uma loucura dizer que podia haver outra forma de medir o tempo. Mas provou-se no Príncipe que era verdade", diz sobre as observações do eclipse solar na roça Sundy, no Príncipe. Choveu toda a manhã. O eclipse total começou pelas 14h13. Durou cinco minutos, que bastaram para provar o que os cálculos de Einstein sugeriam: o encurvamento dos raios luminosos, ou a deflexão da luz. O espaço e tempo não eram absolutos, como postulava Newton.
Nesta expedição, que conta com o apoio da Fundação para a Ciência e a Tecnologia e da Fundação Calouste Gulbenkian, seguem ainda investigadores da Royal Astronomical Society, entre eles o cientista português Pedro Gil Ferreira, que trabalha em Oxford.
José Cassandra, presidente do Governo Regional do Príncipe, vê esta efeméride dos 90 anos do eclipse total na ilha como uma oportunidade de conhecimento para as pessoas da ilha. "Nestes 90 anos queremos fazer a apologia do conhecimento e aproveitar para pensar como podemos beneficiar deste episódio para futuros acontecimentos em torno da astrofísica", diz o anfitrião da expedição que hoje estará na roça Sundy, o mesmo lugar visitado por Eddington há 90 anos.
Esta não é a primeira vez que se revelam documentos que colocam Portugal na rota da confirmação da Teoria da Relatividade. Elsa Mota, professora e investigadora na área da história da ciência, descobriu, no âmbito da sua tese de mestrado, em 2005, que o próprio Eddington se tinha correspondido com astrónomos portugueses, dessa vez do Observatório Astronómico de Lisboa (OAL), na Tapada da Ajuda. Eddington pedia então ao OAL ajuda para preparar a expedição que o levaria à roça Sundy, a exploração de cacau no Noroeste da ilha do Príncipe, um dos locais privilegiados para o eclipse total do Sol do dia 29 de Maio de 1919.
Entre os investigadores com quem Eddington trocou correspondência, basicamente para tratar questões logísticas, estavam Campos Rodrigues, então director do OAL, e o seu subdirector Frederico Omm. A primeira missiva chegou a 11 de Novembro de 1918, a informar da expedição e a pedir ajuda para resolver a questão do alojamento no Príncipe. Foi Campos Rodrigues que contactou com o dono da roça Sundy, Jerónimo Carneiro, onde ficou alojada a comitiva de Eddington. Na última carta, já em Agosto, Eddington, de volta a casa, agradecia e retribuía com algumas fotografias do eclipse.
Os documentos ficaram guardados no OAL até Elsa Mota pegar neles para os analisar. E já em 2005 Elsa Mota recorda-se de ter contactado a Sociedade de Geografia de Lisboa para tentar descobrir se por ali existiriam documentos que colocassem Portugal na rota da confirmação da Teoria da Relatividade. A resposta então foi que desconheciam que existissem ali documentos. Mas afinal acabou por se descobrir agora que sim.
"É por isso que estas efemérides são importantes", defende Paulo Crawford, subdirector do OAL e o primeiro investigador a defender uma tese de doutoramento em Portugal sobre a relatividade, em 1987. "Não há pessoas qualificadas para tratar destes documentos nas instituições." Paulo Crawford diz que são trabalhos como os de Elsa Mota que desencadeiam o interesse pelos documentos encerrados nas instituições sem serem catalogados ou sequer conhecidos. "E ninguém passa para as mãos de um investigador uma caixa de documentos sem saber o que está lá."
"Preparar um eclipse era muito complicado, envolvia muito dinheiro e era muito trabalhoso", conta Ana Simões, directora do Centro Interuniversitário de História da Ciência e da Tecnologia, co-autora do artigo publicado por Elsa Mota sobre o papel dos astrónomos portugueses na expedição de Eddington, no British Journal for the History of Science.
"Se hoje viajar para o Príncipe é complicado, imagine-se na altura", lembra Ana Simões. A viagem fez-se por Lisboa, onde Eddington terá ficado por um dia. Depois partiu para a Madeira, de onde partiu num outro navio para África. Foi de Portugal que também partiu o pedido para que a Companhia Nacional de Navegação se comprometesse a levar a expedição de São Tomé até à ilha do Príncipe, contam as investigadoras. "O OAL teve até de tratar da isenção das inspecções alfandegárias."
Foram talvez estes pormenores logísticos que não permitiram que um português, Manuel Peres Júnior, director do Observatório de Lourenço Marques, Moçambique, participasse nas observações no Príncipe, em 1919, apesar da vontade de se deslocar até lá. "Não sabíamos se estava familiarizado com a Teoria da Relatividade. Está por esclarecer essa questão. Chegou a mostrar interesse pelo estudo da coroa solar", diz Ana Simões sobre a física solar que estava então muito na moda entre os astrónomos.
"Vivia-se em plena I Guerra Mundial. A Alemanha estava completamente isolada do mundo. Einstein não era conhecido. Em 1919 havia três ou quatro astrónomos no mundo que estavam preparados para tentar provar a Teoria da Relatividade, que era muito complicada. Nem para Eddington foi fácil saber dos resultados de Einstein", lembra Ana Simões. "Mas Peres Júnior sabia o que a expedição inglesa queria fazer no Príncipe."