Stirling Moss: “Gostava de ser recordado como o piloto que conduzia tudo o que tivesse quatro rodas”
Nunca venceu um Campeonato do Mundo de Fórmula 1, mas é uma das poucas lendas vivas do automobilismo mundial. Fez equipa na Mercedes com Juan Manuel Fangio, com quem falava de “carros, comida e mulheres”. Casou-se três vezes e diz que os pilotos da actualidade “não fazem ideia do que é desfrutar a vida”.
Destemido e corajoso, playboy, apaixonado por automóveis ou simplesmente “o melhor piloto que nunca venceu um campeonato do mundo"? Sir Stirling Moss prefere apenas ser lembrado como “o piloto mais versátil que conduzia tudo o que tivesse quatro rodas”. Há uma semana conversámos com ele no Porto e ficámos a saber mais: que é um “homem de sorte” por um dia se ter cruzado com Susie. Conduz uma scooter nas ruas de Londres e, a poucos meses de completar 80 anos, Moss ainda se considera uma “prostituta internacional”.
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Destemido e corajoso, playboy, apaixonado por automóveis ou simplesmente “o melhor piloto que nunca venceu um campeonato do mundo"? Sir Stirling Moss prefere apenas ser lembrado como “o piloto mais versátil que conduzia tudo o que tivesse quatro rodas”. Há uma semana conversámos com ele no Porto e ficámos a saber mais: que é um “homem de sorte” por um dia se ter cruzado com Susie. Conduz uma scooter nas ruas de Londres e, a poucos meses de completar 80 anos, Moss ainda se considera uma “prostituta internacional”.
É provavelmente o melhor piloto britânico de sempre, mas nunca venceu um Campeonato do Mundo de Fórmula 1. Na década de 50 ficou por quatro vezes consecutivas em segundo lugar. Mas isso, diz ele, foi uma “sorte”. O grande responsável por Stirling Moss não figurar na lista de campeões foi o argentino Juan Manuel Fangio, o “melhor do mundo”, “amigo e mentor”. Em 1958, perdeu o título mundial apenas por um ponto para Mike Hawthorn e o campeonato foi “oferecido” na cidade do Porto com uma atitude que hoje “nenhum piloto repetiria”, porque actualmente o automobilismo “não é um desporto, é um negócio”.
Em Julho, Stirling Moss vai voltar ao Porto, desta vez ao volante do seu Osca FS372, de 1956, o único carro que tem, para competir no Circuito da Boavista. É que “o perigo é como cozinhar com sal: torna tudo mais saboroso”.
Os seus pais estiveram ligados ao mundo automóvel e às corridas de cavalos. O que o levou a optar por ser piloto de automóveis em vez de jockey?
Eu era pesado de mais para ser um jockey [risos]! Para dizer a verdade, a paixão pelos cavalos era apenas da parte da minha mãe. Eu nunca gostei muito. E as raparigas também não eram tão bonitas como as dos automóveis. Na I Guerra Mundial, a minha mãe conduziu uma ambulância, o que era algo invulgar na altura, e por isso sempre se interessou por carros. O meu pai era dentista e corria como amador. Depois conheceram-se, eu cheguei, e o meu pai decidiu que não ia voltar a correr.
Por que é que não seguiu a carreira de dentista, como o seu pai?
Não era suficientemente inteligente para isso. Para se ser dentista é necessário ter muitas qualificações e fui incapaz de passar nos exames.
Mas queria ser?
Não! Não queria, mas tentei. O meu pai era um dentista famoso em Inglaterra e tinha 16 ou 17 consultórios. Obviamente que para mim teria sido fácil seguir essa carreira. Com 17 anos, sem qualquer tipo de preparação, passei um ano a trabalhar num hotel onde servi à mesa e fui porteiro. Mas não tinha muito jeito para isso...
Casou-se três vezes. O que correu mal nos dois primeiros casamentos?
No primeiro já era corredor de automóveis e essa não é a profissão ideal para um casamento. Acabou por não resultar. Depois fui a Nova Iorque e conheci uma rapariga muito atraente, mas a relação não era realista. Ia aos Estados Unidos em férias e estava com ela, depois ela foi a Inglaterra e casámo-nos. No dia do casamento percebi que era um erro. Mas fui estúpido e fraco. Voltou a não resultar. Tínhamos personalidades muito diferentes. Ela era uma swinger, gostava de sair e de frequentar clubes nocturnos. Eu não...
A maior vitória da sua vida foi o seu terceiro casamento?
Conheço a minha actual mulher há 52 anos e somos casados há 29. Foi sem dúvida a minha grande vitória. Seria muito complicado viver a vida que levo actualmente sem uma mulher como a minha ao meu lado. É a minha melhor amiga, viajamos juntos, trabalhamos juntos. Em tudo o que faço, como estar aqui no Porto hoje e há dois dias em Itália, conto com a presença da Susie. Para onde quer que eu vá, ela vai comigo. Temos uma relação muito próxima. Sou um homem de sorte.
Como foi a sua vida na década de 50? Era um playboy?
Sim, era. Viajei por muitos países, conheci muitas raparigas bonitas, tive uma vida maravilhosa. A minha qualidade de vida era dez vezes superior à qualidade de vida que têm agora pilotos como o Lewis Hamilton ou o Jenson Button. Eles não fazem ideia do que é desfrutar a vida.
Lemos que se considera uma “prostituta internacional”...
É verdade. Se estiver na Austrália e me convidar para ir lá, pagando-me, eu vou. A minha vida agora é ser relações públicas e andar de um lado para o outro. É por isso que sou uma prostituta internacional...
E gosta desse estilo de vida?
Gosto muito. Não digo que a minha vida é melhor do que a sua, porque não sei como ela é, mas tenho a certeza que é melhor do que a da maioria das pessoas. Viajo muito, faço milhares de quilómetros por ano em aviões e visito países maravilhosos como o Japão, a Austrália ou a Nova Zelândia. Percorro a Europa toda e a América do Sul sempre rodeado por pessoas simpáticas. É uma vida muito agradável.
Quantos carros tem actualmente?
Só um e não é um carro citadino. Tenho uma scooter e um carro de corrida, um Osca FS372 de 1956, no qual já corri por duas vezes em Portugal. A minha mulher tem um Smart e é tudo.
E conduz a scooter nas ruas de Londres?
Sim, todos os dias. Ninguém me reconhece com o capacete [risos].
A sua primeira vitória na Fórmula 1 (F1) foi em 1955. É verdade que no final da corrida perguntou a Juan Manuel Fangio, que terminou em segundo lugar, se ele o tinha deixado vencer?
Era o grande prémio britânico e hoje continuo sem saber se ele me deixou ganhar ou não. O Fangio era um cavalheiro, o melhor do mundo e campeão mundial. Acho que ele pensou que seria bom eu vencer em Inglaterra. Mas continuo sem certezas. Eu perguntei-lhe e ele respondeu-me que não. Disse apenas que aquele era o meu dia e que eu tinha feito uma grande corrida. Não sei...
Fangio venceu o mundial de F1 em 1954, 1955, 1956 e 1957. Você terminou em segundo em 1955, 1956 e 1957. Como era competir contra ele, um piloto 18 anos mais velho?
Para mim foi uma sorte. Quando entrei para a Mercedes em 1955, ele era o líder da equipa e foi um privilégio ser o número dois. Ele foi o meu mentor e amigo. O maior problema foi não saber falar castelhano. Falávamos os dois um pouco de italiano, mas não era suficiente para termos as conversas que eu gostaria. Falávamos um pouco de carros, comida e mulheres. Ele era como um pai para mim. Um piloto honesto que jogava sempre limpo.
1958 foi o último ano de Fangio na F1 e foi também o ano em que esteve mais próximo de vencer o Mundial. No entanto, a disputa pelo primeiro lugar foi com Mike Hawthorn. O que aconteceu na corrida do Circuito da Boavista nesse ano?
O Mike cometeu um erro, perdeu o controlo do carro e foi contra a vedação. Acabou por ser empurrado e recomeçou a corrida. A organização decidiu desqualificá-lo por ele ter recomeçado a corrida no sentido contrário. Eu assisti a toda a situação, opus-me à decisão de o penalizar e defendi-o. Com isso ele manteve os sete pontos pelo segundo lugar na corrida e eu no final acabei por perder esse campeonato [por apenas um ponto de diferença]. Mas foi a atitude correcta a ter. O problema na F1 actual é esse. O mais importante não é vencer as corridas. É ser campeão no fim. No último ano, o Lewis Hamilton não tentou ganhar [na última corrida]. Apenas tentou ser quinto. Isso para mim não é correr. É o mau lado de um campeonato do mundo. Eu nunca entraria numa corrida para tentar ser apenas terceiro ou quarto. Não conseguiria fazê-lo.
Imagina algum piloto na actualidade a ter a mesma atitude?
É claro que não [risos]. Hoje isto não é um desporto, é um negócio. O problema é esse. Eu cheguei a vencer o Jack Brabham na Austrália a conduzir um carro cedido por ele. O Mike Hawthorn deixou-me conduzir o carro dele em 1956 só para eu ver como era. Esse tipo de atitude é impensável nos dias de hoje. Isto mudou tudo. Já não se trata de desfrutar o desporto mas sim de interesses comerciais. É uma pena...
Consegue apontar o nome dos três melhores pilotos de Fórmula 1 de todos os tempos?
É muito difícil. Primeiro porque não é justo comparar um piloto da actualidade com outro que tenha competido antes de 1970. Se tivesse que apontar três nomes, diria o Fangio... [pausa]. Não é fácil. Comparar dois pilotos em carros diferentes é complicado. Se eu e você fizermos uma corrida com carros diferentes, eu saberei em que nível está. Se fizéssemos uma corrida com o mesmo carro, eu teria a certeza. A Fórmula 1 da actualidade é muito diferente. O [Alain] Prost era fantástico e o Jackie Stewart também, mas eu não me atreveria a compará-los. É por isso que me é difícil apontar três nomes.
“Precisava do perigo e da adrenalina”
Que memória guarda do Circuito da Boavista da década de 50?
Era fantástico e o público era muito entusiasta. Portugal é dos países onde se vibra mais com o desporto automóvel e é sempre muito agradável vir cá. Percebe-se que a multidão aprecia o que estamos a fazer e que reconhece quando damos o máximo, mesmo não vencendo. Há muita paixão.
"O melhor piloto que nunca venceu um campeonato do mundo.” É assim que quer ser lembrado?
É uma forma simpática de se referirem a mim. Antes de ser campeão, o Nigel Mansell era elogiado por ser um grande piloto. Depois ganhou e desapareceu [risos]. Gostava de ser recordado como o piloto mais versátil que conduzia tudo o que tivesse quatro rodas. Eu gosto de tudo o que envolva automóveis. Na altura fazia mais de 50 corridas por ano e agora os pilotos fazem 16 ou 17.
Venceu a mítica corrida de Mille Miglia, em Itália, em 1955, terminando à frente de Fangio. Qual foi a sensação?
Eu conseguia vencer o Fangio em corridas de automóveis. Só não o conseguia vencer em corridas de F1. Essa foi, provavelmente, a melhor corrida da minha carreira. Fui terrivelmente rápido...
Em 1962 foi forçado a retirar-se depois de um grave acidente. Que memórias tem dessa corrida e do acidente?
Nada, para dizer a verdade. Estive inconsciente durante um mês. As minhas últimas memórias são da noite anterior, quando conheci uma rapariga sul-africana muito atraente, e da manhã da corrida, quando bati com o carro no passeio à saída do hotel, uma ou duas horas antes do acidente. O meu grande problema é que, na altura, tinha apenas 32 anos, fui forçado a abandonar a minha carreira e tinha que trabalhar para viver sem experiência em mais nada. A minha única saída era tentar vender o meu nome e é isso que continuo a fazer hoje.
Nessa altura assistiu à morte de muitos amigos e colegas em acidentes nas corridas...
Perdia três ou quatro por ano, o que era uma tragédia. Só conseguia aceitar isso pensando que eles tinham cometido erros ou iam com velocidade a mais fazendo o que mais gostavam. De outra maneira, ninguém conseguiria continuar a correr.
É esse o motivo que o leva a dizer que “o perigo é como cozinhar com sal: torna tudo mais saboroso"?
Sim, precisava do perigo e da adrenalina. Não consigo imaginar nenhum outro negócio ou emprego que me desse o prazer e os privilégios que o automobilismo me deu. Viajei muito, conheci mulheres bonitas. Foi uma vida maravilhosa e fui pago para fazê-lo.
“Massa devia ter sido campeão...”
Como está a Fórmula 1 actualmente?
Acho que tem melhorado em relação aos anos anteriores. As mudanças nas regras este ano ajudaram bastante. A qualificação é muito interessante. Mas, como antigo piloto, não entendo como é que no meu tempo um carro com mais 20kg perdia um segundo por volta e hoje, com mais 20kg, mesmo mudando o piloto, o carro faz os mesmos tempos. Os carros hoje em dia são muito especiais e preparados ao milímetro...
Na sua época, quando iniciava uma corrida colocava sempre a vida em risco. Agora a segurança é enorme...
Era um grande acontecimento quando eu ganhava uma corrida. Estou seguro que era muito maior na altura do que é agora. A amizade na altura entre pilotos era muito grande também...
Na altura era uma corrida e agora uma batalha?
É um pouco isso. Tentávamos alcançar sempre um bocadinho mais, sermos um pouco mais rápidos mudando isto ou aquilo, mas de forma honesta. Talvez seja assim hoje, não sei...
Concorda que no seu tempo eram os pilotos que venciam as corridas e agora são os carros?
Não inteiramente. No meu tempo, a importância do piloto teria uma percentagem de 15 ou 20 por cento no sucesso. Agora anda pelos 5 ou 10 por cento. Se derem um bom carro a um mau piloto, ele não se vai sair bem, mas no meu tempo se o Fangio tivesse um carro 20 por cento inferior a outro podia ganhar na mesma. A contribuição do piloto era maior.
Qual é o melhor piloto da actualidade na Fórmula 1?
É difícil apontar um. O Lewis [Hamilton] é um bom piloto e o Jenson [Button] vai ganhar, provavelmente, o campeonato. Isso não quer dizer que o Jenson seja melhor que o [Sebastian] Vettel ou o [Fernando] Alonso. O [Felipe] Massa é muito bom. Acho que ele devia ter ganho o último campeonato. Ele conduziu para ganhar e o Lewis Hamilton não...
O que pensa sobre o que aconteceu na última curva da última corrida da época passada, quando o Lewis Hamilton conseguiu chegar ao quinto lugar que lhe permitiu ser campeão do mundo?
O Hamilton deu o máximo para chegar lá. Isso foi genuíno. Mas foi realmente demasiado [a recuperação de tempo de Lewis Hamilton em relação a Timo Glock que permitiu a Hamilton subir ao quinto lugar]. Foi uma última curva interessante, mas acho que o último título foi entregue ao Hamilton. O Lewis é um excelente piloto, mas na minha opinião o Massa devia ter sido campeão...