Os "pais" genéticos do novo vírus são duas estirpes suínas
"Utilizando sequências coligidas em bases de dados públicas, conseguimos identificar os parentes mais próximos da nova estirpe identificada no México", escrevem Raul Rabadan, da Universidade Columbia, em Nova Iorque, e colegas, na última edição da revista semanal on-line de acesso livre Eurosurveillance, datada de quinta-feira.
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"Utilizando sequências coligidas em bases de dados públicas, conseguimos identificar os parentes mais próximos da nova estirpe identificada no México", escrevem Raul Rabadan, da Universidade Columbia, em Nova Iorque, e colegas, na última edição da revista semanal on-line de acesso livre Eurosurveillance, datada de quinta-feira.
"Os nossos resultados preliminares mostram que os parentes mais próximos da nova estirpe estão presentes nos suínos e ocasionalmente nos perus. Seis segmentos do vírus [da nova gripe humana] são parentes de vírus suínos da América do Norte e os outros dois de vírus suínos da Europa/Ásia." Como seis mais dois é igual a oito, e dado que o material genético dos vírus da gripe é composto por oito segmentos genéticos, lá está o genoma do vírus integralmente à mostra.
"Esta é nitidamente uma nova estirpe", explica por seu lado Steven Salzberg, director do Centro de Bioinformática e de Biologia Computacional da Universidade do Maryland, no seu blogue em http://genome.fieldofscience.com/. "Mas é claramente uma permuta de genes [em inglês, reassortment] entre duas estirpes suí-nas que já se encontravam em circulação." Uma permuta consiste numa troca de segmentos genéticos entre duas estirpes diferentes do vírus, que se dá quando dois vírus infectam o mesmo porco ao mesmo tempo.
Os antepassados norte-americanos mais próximos do vírus actual, salientam ainda Rabadan e colegas na Eurosurveillance, estão relacionados com vírus suínos que surgiram na América do Norte há pouco mais de dez anos; e os seus antepassados eurasiáticos mais próximos estão relacionados com vírus suínos que surgiram há mais de 15 anos, em 1992.
Ora, como frisam a seguir os mesmos investigadores, sabe-se que os tais antepassados norte-americanos do vírus que agora surgiu no México provêm de "permutas de origem tripla - humana, suína e aviária - isoladas em 1998". Ou seja, é preciso recuar mais no passado do vírus para que apareçam as tão badaladas componentes de origem humana e aviária da nova estirpe do vírus da gripe.
"Esta história da tripla permuta é algo complexa", explica ainda Salzberg no seu blogue, "mas (simplificando um pouco) a história de uma das duas estirpes parentais suínas indica que uma parte dessa estirpe teve origem nas aves - há mais de uma década atrás, daí que a estirpe em questão seja por vezes chamada 'de tipo aviária' -, mas, hoje em dia, já não é uma estirpe de gripe das aves. Em segundo lugar, a história da outra estirpe inclui um pequeno fragmento (um gene) que parece ter tido origem nos humanos - e que remonta a mais de 15 anos atrás. Mais uma vez, tornou-se hoje uma estirpe suína, mas tem um bocado que poderá ter vindo dos humanos [ver infografia]. O acontecimento que criou a gripe actual - a que nos preocupa - é uma permuta pura e simples entre duas estirpes [virais] suínas." Ou seja, o mais provável é que, a dada altura, estas duas estirpes se tenham misturado num porco, algures no mundo, dando origem a um vírus novinho em folha.
Porém, os resultados não provam que o vírus tenha passado directamente dos porcos para os humanos: "Não sabemos há quanto tempo é que este vírus circula nos humanos", disse Rabadan à Reuters em entrevista telefónica. "Até agora", lê-se ainda no relatório da equipa deste investigador, "a nova estirpe não tem sido identificada nos suínos. Não sabemos se isto se deve a uma monitorização insuficiente das populações suínas ou se este [novo] vírus terá sido gerado num evento de permuta muito recente".
La Gloria, a aldeia onde se declararam os primeiros casos no México, está situada a escassos quilómetros de uma mega-estação de suinicultura, o que tem gerado uma troca de acusações e desmentidos entre os responsáveis da empresa de criação e os habitantes. Contactado pelo PÚBLICO através de e-mail acerca da questão de saber se será possível saber um dia se a nova doença surgiu numa dada criação suína, Salzberg responde: "Sim, seria possível identificar a exploração em causa. Mas não é assim tão fácil. Para isso, precisamos de recolher e sequenciar amostras de porcos infectados vindas de uma pletora de quintas. Sem uma amostragem muito lata, não vamos conseguir ter a certeza. Por exemplo: suponhamos que o vírus original tenha aparecido [num animal] na Tailândia. Se não tivermos amostras desse local, nunca conseguiremos saber de onde é que veio o vírus."
Um espirro incómodo, ou o diário da gripe em Espanha
O diário da gripe visto de Madrid
Há uma semana, pela noite, chegaram as primeiras notícias de uma gripe mortal no México. Desde então, Espanha, a porta de entrada do vírus na Europa, passou a viver ao compasso de dois boletins diários do Ministério da Saúde, que actualiza casos e revela novos números. Um ritual de guerra.
Quarta-feira, dia terceiro do alarme espanhol. O taxista não resiste à observação. Ao primeiro espirro, ainda retorquiu com um educado "santinho". Mas, ao segundo, não se aguentou: "Amigo, não vá para as bandas de Barajas que ainda o matam". Expliquei que não tinha estado no México. Apontei as nuvens de pólen que esvoaçavam como responsáveis dos espirros matinais. Senti necessidade de explicar mais: relembrei alergias passadas, que obrigavam ao uso da bomba de cortisona. De repente, contei os espirros da minha vida, como numa confissão. "No pasa nada", tranquilizou-me o astuto motorista. Fiquei sem argumentos. Mas aliviado.
O aeroporto de Barajas é o epicentro da crise. Naquela quarta-feira, quando os espanhóis acordaram com dois casos confirmados de contágio da gripe, almoçaram com quatro e tomaram o café com dez, o terminal da "ponte aérea", que liga Madrid com Barcelona, foi cenário do medo. Um vírus não se vê. Nem adivinha. Não tem presença física. Mau assunto que conduz à intransigência. Três passageiros negaram-se a embarcar ao saberem que tinham como companheiro um viajante oriundo de um voo de Cancun. Ficaram em terra, num alvoroço de críticas à companhia aérea. E numa recriminação a quem, vindo do México, insistia em continuar viagem. Enfim, em continuar a viver em liberdade e não ir para o isolamento que merecia.
É a síndroma da peste. Medieval, no século XXI. Foi no aeroporto de Barajas que aparecerem as primeiras, e únicas, máscaras. Utilizadas pelo pessoal. As três farmácias dos terminais esgotaram os stocks. No centro de Madrid, apareceram máscaras. As que os polícias municipais utilizaram para protestarem por falta de meios. Naquele dia, de títulos de contágios e de pandemia iminente, podiam ter optado por uma greve de apitos caídos. Seria mais cordial.
Nas calles, boulevards e passeos, comenta-se a peste. Mas não há máscaras. Um casal de jovens turistas japoneses foi a excepção. Visitavam as Ramblas de Barcelona com máscaras. Inauguraram o turismo seguro.
Em Madrid, urbe de todas as pressas, há impaciência à porta de um hospital. É o Carlos III, especializado em doenças infecto-contagiosas, onde estão dois andares reservados para os doentes. Que já há e os que hão-de vir. Neste quartel-general da crise, os familiares desesperam com a demora do resultado das análises. Não entendem o tempo da ciência. E os protocolos. A palavra-chave desta época. Estão angustiados por uma gripe que não é mortal. Vivem uma viuvez que nunca chegará. Antecipam uma perda que não terão. E tudo começou com um espirro incómodo. Nuno Ribeiro, Madrid