Leitura "clandestina" e preparação física motivavam presos do Tarrafal
Assim o explicam três ex-presos políticos do regime colonial português que, na segunda fase do também conhecido "campo da morte lenta", no norte da ilha de Santiago, lutaram por manter os ideais, só abandonando a prisão no dia em que ela encerrou definitivamente, há 35 anos.
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Assim o explicam três ex-presos políticos do regime colonial português que, na segunda fase do também conhecido "campo da morte lenta", no norte da ilha de Santiago, lutaram por manter os ideais, só abandonando a prisão no dia em que ela encerrou definitivamente, há 35 anos.
Os angolanos Vicente Pinto de Andrade e Luandino Vieira e o cabo-verdiano Luís Fonseca, presos entre 1966 e 1 de Maio de 1974, afirmaram-se "confusos" com o misto de sentimentos que encontraram ao reverem agora tantos amigos ao regressarem ao campo onde passaram alguns anos e que, assumem, "mudaram o rumo" das suas vidas.
"Este sítio deixou-me recordações amargas, mas também outras muito boas. Aquilo que sou hoje seria muito diferente se não tivesse passado oito anos no Tarrafal. Foi aqui que me fiz escritor, que escrevi o que considero o menos mau do meu trabalho literário", disse à Lusa o escritor Luandino Vieira. "Quando encontrei aqui estes velhos companheiros todos, além da certeza que já tínhamos de que tudo valera a pena, só a presença deles e o modo como nos reencontrámos foi como se tudo se tivesse passado ontem, a despeito dos 35 ou 40 anos", acrescentou.
"Depois daqueles abraços iniciais, era como se retomássemos as conversas do dia anterior. Só faltava dizer amanhã quem vai primeiro lavar os lençóis, quem varre. Isso foi muito reconfortante", referiu Luandino Vieira.
Para Vicente Pinto de Andrade, um dos mais conhecidos nacionalistas angolanos, preso no Tarrafal entre 1970 e 1974, a luta e o sacrifício "não foram em vão". "Quando entrei aqui não tinha a certeza se sairia vivo. (...) A minha perspectiva era ficar aqui muitos anos. Fui castigado duas vezes e estive na cela disciplinar. Hoje, ao regressar aqui, recordo-me dos meus companheiros que não estão cá e de todo o tempo que passámos de isolamento", disse, emocionado.
"A parte mais dura foi a privação dos afectos. (...) Recebíamos cartas esporadicamente. A privação dos afectos, da ligação com a família, foi o que mais me custou e foi o que mudou a minha vida", esclareceu.
Luís Fonseca, detido três anos e meio no Tarrafal, salientou as "provações duras" por que passou e lembrou a solidariedade entre os presos. O ex-secretário-executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) recordou que, durante o período que passou no Tarrafal, se tornou o "redactor" das notícias que elaborava a partir de um pequeno rádio que conseguira fazer entrar no campo, com a cumplicidade dos guardas, e as deixava escritas numa das retretes das casas de banho.
"O menu aqui não era muito variado. Lá conseguíamos sempre encontrar maneira de arranjar livros para ler, que a partir de certo momento passaram a ser proibidos. Conseguimos mobilizar alguns guardas que nos traziam a literatura que gostávamos. A partir de certo momento, conseguimos introduzir um rádio e eu era o redactor das notícias", contou.
"Era muito perigoso e tinha de o ouvir muito baixinho e deixava, no dia seguinte, o resumo noticioso na retrete para um grupo seleccionado de pessoas", disse. "De manhã cedo, era uma fila interminável de gente", lembrou, indicando que um dos maiores feitos foi terem transformado os guardas em "bons agentes secretos" e que, por isso, nunca foram apanhados.
Mas a preparação física era uma constante, lembrou Pinto de Andrade, que se "resguardava" todos os dias em exercícios físicos, para manter a boa forma, ginástica que, corroborou Luís Fonseca, se pensava então que constituía a "preparação para a guerrilha em Cabo Verde".
A "grande revelação" veio de Pinto de Andrade, que lembrou à Lusa que o jornal A Bola era lido avidamente no Tarrafal, naturalmente com dias e dias de atraso.