"Comovo-me sempre que venho aqui!", afirma Edmundo Pedro no Tarrafal
Aos 90 anos, já perdeu a conta às vezes que visitou o campo de concentração que inaugurou em 1936 como preso político na luta contra o regime fascista português de António Oliveira Salazar. Hoje, na sua “enésima” visita - “venho não com saudades mas para homenagear todos os meus camaradas” -, é cumprimentado por todos os “tarrafalistas”.
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Aos 90 anos, já perdeu a conta às vezes que visitou o campo de concentração que inaugurou em 1936 como preso político na luta contra o regime fascista português de António Oliveira Salazar. Hoje, na sua “enésima” visita - “venho não com saudades mas para homenagear todos os meus camaradas” -, é cumprimentado por todos os “tarrafalistas”.
No total, são quase 40, entre nacionalistas angolanos, cabo-verdianos e guineenses ainda vivos e que participam no Simpósio Internacional sobre o Campo de Concentração do Tarrafal, para assinalar, na sexta-feira, o 35º aniversário do encerramento definitivo do estabelecimento prisional, a 01 de Maio de 1974, quase uma semana após a “Revolução dos Cravos”, em Portugal.
E todos o admiram. Os angolanos Justino e Vicente Pinto de Andrade, irmãos, o escritor Luandino Vieira, o cabo-verdiano Luís Fonseca, o guineense Mário Soares. É um dos dois presos políticos portugueses ainda vivos, que, em 1936, “inauguraram” o “campo da morte lenta”. Há poucas semanas, um terceiro, Joaquim de Sousa Teixeira, acabou por falecer, resistindo mais de 60 anos aos oito que passou no Tarrafal (1936/44).
“Passou nove anos aqui. Como foi isso?”, pergunta-lhe o jornalista. “É melhor você imaginar”, responde, lembrando que o campo teve dois períodos, em que o primeiro, de 1936 a 1954, foi “ocupado” pelos “presos que vieram de Portugal” e o segundo, de 1961 a 1974, por “combatentes das ex-colónias”.
“E eu não sei qual é que foi pior. No período em que eu vivi, foi mais trágico em termos de mortes. Morreu muita gente. Mas eu preferia esse regime ao regime em que eles viveram, pois viveram sempre fechados e nós andámos aqui à vontade. Fomos massacrados, torturados, tivemos muitas febres, morreu muita gente, mas andávamos à vontade”, afirma.
“Eu preferia - com todos os perigos que esse regime representou em termos de saúde, pois o mosquito não estava saneado - isso, a estar fechado 24 horas por dia, com um pequeno intervalo para vir passear cá fora”, acrescenta.
Mas quando entra no recinto do campo, afirma, sente-se “sempre comovido”, pois recorda, passo a passo, os que com ele privaram e se viram privados da liberdade. Bento Gonçalves foi um deles. “E sinto-me especialmente comovido quando passo ali, em frente da caserna em que morreu o Bento Gonçalves, uma espécie de meu segundo pai. Da última vez que estive cá, o DN (Diário de Notícias) publicou uma fotografia minha e chamou-lhe ‘as lágrimas de Edmundo Pedro’. Foram ali vertidas”, disse, apontando para o local.
“O Bento foi, para mim, uma figura tutelar, pela sua simplicidade, saber e tolerância. E continua a ser uma grande referência. E outras pessoas. O Caldeira morreu aqui, após oito dias de sofrimento. Teve uma resistência fantástica. E outros, como o António José Ribeiro, que me mandou chamar para me dizer: ‘Edmundo Pedro, vou morrer. Tenho pena de morrer sem ver o socialismo. E vocês vão ver’”, recorda o antigo preso.
“Era esta esperança na utopia que dava um certo descanso na hora da morte, o que é extraordinário. Lembro-me da vala, do início da construção da vala, das pessoas que começaram ali a cair. Em pouco mais de uma semana morreram sete, que tombaram ali devido a trabalhos forçados como castigo pela tentativa de fuga colectiva. Há muitas coisas que me lembro. Aqui há muitas coisas que me lembro e não posso deixar de ignorar”, afirma.