Linha de Passe

Os primeiros dez minutos de "Linha de Passe" são fulgurantes: praticamente sem diálogo, ilustrados apenas pela mistura de som e pelas texturas electrónicas de Gustavo Santaolalla, são-nos revelados os "pontos de fuga" de uma família das favelas paulistas - o futebol, a religião, o futebol como religião, as ruas da cidade.

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Os primeiros dez minutos de "Linha de Passe" são fulgurantes: praticamente sem diálogo, ilustrados apenas pela mistura de som e pelas texturas electrónicas de Gustavo Santaolalla, são-nos revelados os "pontos de fuga" de uma família das favelas paulistas - o futebol, a religião, o futebol como religião, as ruas da cidade.


Os últimos dez minutos - que fazem o mesmo que os primeiros dez, mas com as personagens agora distanciadas desses pontos de fuga - são igualmente extraordinários, no modo como Walter Salles e Daniela Thomas parecem ter reinvestido o velho neo-realismo social com uma peculiar energia observacional, simultaneamente confrontacional e púdica, que não se limita ao virtuosismo visual nem à exploração bem-intencionada. Aliás, a maior das virtudes de "Linha de Passe" é o modo como resiste à tendência de fazer da sua história do quotidiano difícil de uma mãe solteira e dos seus quatro filhos adolescentes uma telenovela terceiro-mundista para apaziguar boas consciências. Estes pobres não são bem-aventurados nem vítimas inocentes, e a vida não é como as telenovelas - as coisas não ficam resolvidas a contento de todos, os bons não serão forçosamente recompensados nem os maus castigados.

Infelizmente, mesmo que evite sempre de justeza o sentimentalismo lamecha e utilize com destreza a montagem intercalada entre as histórias das suas cinco personagens, "Linha de Passe" começa a esvaziar-se à medida que a acumulação de pormenores observacionais cede à necessidade de uma sustentação narrativa que, por muito que escape às boas intenções, não resiste a uma previsibilidade assaz decepcionante para aquilo que o filme prometera (sobretudo nas histórias dos dois filhos mais velhos, o aspirante a futebolista e o paquete motorizado).

Enquanto é um retrato impressionista de uma São Paulo subterrânea, humana e fervilhante, é apaixonante - pena que não o consiga ser durante todo o filme.