Demissões de Roque e Lage não significam mudança de rumo do regime
Os dois homens despediram-se em cartas publicadas no Granma, o órgão oficial do PC, nas quais assumem “erros” cometidos no desempenho das suas funções. Os restantes media cubanos repetiram-nas.
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Os dois homens despediram-se em cartas publicadas no Granma, o órgão oficial do PC, nas quais assumem “erros” cometidos no desempenho das suas funções. Os restantes media cubanos repetiram-nas.
Roque, 43 anos, que era ministro das Relações Exteriores, renunciou à Assembleia e ao Comité Central do partido, e Lage, 57, deixou o CC, o Bureau Político, o Conselho de Estado e a vice-presidência do Conselho de Estado.
Mas nem um nem outro, afastados no início da semana sem mais explicações, disseram também porque é que se foram embora dos outros lugares, com as agências a lembrarem a acusação de “indignos” que lhes atirou Fidel Castro e que ficou a pairar no espírito dos analistas.
Felipe Pérez Roque chefiou a diplomacia cubana nos últimos dez anos, e com destaque. E Carlos Lage foi o autor das reformas económicas dos anos 90, com que o país reencontrou alguma estabilidade depois de perder os aliados da Europa Oriental.
Eram além disso personalidades muito próximas de Fidel Castro. O “jovem” chanceler pertenceu ao grupo muito restrito dos “amigos” do Comandante, tendo sido seu secretário particular. E juntamente com o “chefe” do Governo era considerado um dos sucessores potenciais numa reviravolta virtual.
Não foi a primeira vez que um alto quadro cubano foi afastado por “erros” misteriosos. Em Abril do ano passado, Luis Ignácio Gómez, ministro da Educação há 18 anos, foi despedido por ter “perdido a consciência revolucionária”. Antes dele, em 2006, Juan Carlos Robinson, do Bureau Político do PC, foi condenado a 12 anos de prisão por “tráfico de influência”. Mas agora a remodelação foi muito mais alto.
O que se passa segundo dois observadores cubanos que o PÚBLICO contactou não é nenhuma alteração de fundo no “fidelismo”, a marca de água do regime: “Não há um castrismo fidelista, quer dizer, próprio de Fidel Castro, e um castrismo raulista, de Raúl Castro, pois sem o primeiro não se pode imaginar sequer o supostamente segundo”, diz Miguel Cossío Woodword, professor da Universidade Iberoamericana, no México.
Para este académico, o regime cubano só se “adaptou” à doença do seu fundador, com alguns “truques”, concentrando mais poder na cúpula militar que acompanha o novo Presidente para “prosseguir a mesma visão” das coisas. Isso vê-se no grupo de figuras emergentes, muito próximas dele ou fortemente vinculadas ao Exército, que escolheu para substituir a dezena de pessoas afastadas.
É mais ou menos o que pensa também Alejandro Armengol, colunista do Nuevo Herald, de Miami, que vê no entanto na mexida uma tentativa de Raúl de acabar com uma série de “improvisações” e arranjar o seu próprio espaço.
Durante décadas, Fidel praticou o que o analista classifica como “um estilo guerrilheiro de mando”, com o que escapava às estruturas do Governo e do partido, com contas paralelas, como a “famosa reserva do Comandante”, colocando determinados projectos nas mãos de indivíduos próximos e fazendo com que passassem à margem do orçamento e da estrutura do Estado. É esse estilo “unipessoal” que agora desaparece não só porque está doente mas também porque está afastado da esfera pública, ainda que com influência.
“Não é uma luta entre velhos e jovens, tão pouco entre reformistas e conservadores, mas de lealdades e preferências”, diz o colunista.
Mas se o castrismo continua, a influência de Fidel pode estar em dificuldades, afirma Armengol, lembrando que ao contrário de outras ocasiões a remodelação não foi acompanhada da notícia de que o Comandante fora informado dela – “Teve que sair ele mesmo a dizer que o consultaram, por ser evidente o contrário”.