Neurotransmissor implicado na depressão nos seres humanos transforma gafanhotos em praga
São tão diferentes os solitários gafanhotos normais que, até 1921, se pensava que eram de uma espécie diferente dos gregários que se transformam em pragas. Estes têm um aspecto bem diferente: são amarelados, maiores e com músculos mais fortes para conseguirem fazer voos prolongados (e rápidos, pois podem percorrer 90 quilómetros em cinco a oito horas).
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São tão diferentes os solitários gafanhotos normais que, até 1921, se pensava que eram de uma espécie diferente dos gregários que se transformam em pragas. Estes têm um aspecto bem diferente: são amarelados, maiores e com músculos mais fortes para conseguirem fazer voos prolongados (e rápidos, pois podem percorrer 90 quilómetros em cinco a oito horas).
O seu impacto na economia e na vida de muitas populações é enorme. Em Novembro de 2008, formou-se uma nuvem de gafanhotos na Austrália que se estendia ao longo de seis quilómetros. Mas o continente africano e a China são vítimas periódicas desta praga destruidora de colheitas.
Mas, mesmo depois de se ter determinado que estes animais são sempre a mesma espécie, que passa por uma extraordinária de aspecto e comportamento, há 90 que se procurava o gatilho que a desencadeava. “Ninguém tinha sido capaz de identificar as modificações no sistema nervoso que transformam gafanhotos bastante anti-sociais em monstruosos bandos. A resposta tem sido procurada pelos cientistas há quase 90 anos”, disse Michael Anstey, o primeiro autor do trabalho, citado num comunicado de imprensa da Universidade de Cambridge (Reino Unido).
Uma série de experiências feitas na espécie “Schistocerca gregária” permitiu determinar que os animais que estão no auge do comportamento gregário, formando bandos, têm três vezes mais serotonina no seu sistema nervoso do que os solitários e pacatos gafanhotos no seu estado normal.
O sinal que desencadeia os passos iniciais da formação de bandos prende-se com o risco de fome — quando há animais a mais para os recursos disponíveis. “À medida que o ambiente desértico em que vivem se vai tornando mais seco, procuram comida, o que faz com que se aproximem cada vez mais”, comentou Stephen Rogers, outro autor da investigação.
A partir daí, vão-se accionando outros mecanismos naturais, através do toque entre as patas dos animais, que se vai acentuando conforme os seus números vão subindo. Mas este químico natural que, quando em desequilíbrio, está implicado na depressão entre os humanos, é o que inicia a cascata de reacções para a transformação digna de Dr. Jekyll e Mr. Hyde. “Andam todos à procura de alimento e, quando se acaba, é inevitável que se formem grandes bandos”, explicou Rogers.
Mas mais do que compreender um mistério biológico, este estudo poderá vir a servir de base para desenvolver formas de controlar estas pragas com base na serotonina – embora isso não seja para já, sublinha num comentário ao trabalho Paul Anthony Stevenson, da Universidade de Leipzig (Alemanha).
“Para serem eficazes, químicos que contrariassem a acção da serotonina teriam de ser aplicados quando os animais são ainda solitários, e aí seriam alvos raros, pois a densidade destes animais num deserto pode ser de apenas três animais por 100 metros quadrados””, diz. Além disso, os químicos de que actualmente dispomos e que poderiam cumprir essa função não passam pela cutícula dos gafanhotos, nem pelos revestimentos internos do sistema nervoso destes insectos. “E não são sequer selectivos para insectos, pelo que o seu uso seria ecologicamente injustificável.”
Mas, apesar destas limitações, vale a pena investigar a pista da serotonina – com a esperança de que um dia se consiga controlar esta praga.