Corte de árvores na serra de Sintra suscita dúvidas técnicas
A EN 247-3 liga os cruzamentos da rampa da Pena e dos Capuchos. Ao longo de uma dúzia de quilómetros com curvas, a estrada atravessa (no início) e delimita (uma boa parte) a zona património mundial. Algumas zonas, principalmente junto aos muros do parque da Pena e mais próximo do acesso ao antigo convento, eram ladeadas por uma densa área florestal.
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A EN 247-3 liga os cruzamentos da rampa da Pena e dos Capuchos. Ao longo de uma dúzia de quilómetros com curvas, a estrada atravessa (no início) e delimita (uma boa parte) a zona património mundial. Algumas zonas, principalmente junto aos muros do parque da Pena e mais próximo do acesso ao antigo convento, eram ladeadas por uma densa área florestal.
Este cenário foi radicalmente alterado nas últimas semanas, mediante o corte da maioria das árvores numa faixa de várias dezenas de metros a partir da via pública. Onde antes a vista repousava num manto verdejante, composto por espécies variadas, das folhosas autóctones às infestantes exóticas, restam clareiras com o terreno revolvido, com cotos de troncos de pequeno porte. Os escassos restos por retirar, na Tapada de Monserrate, permitem identificar o abate de alguns cedros de grande porte e aparentemente de boa saúde fitossanitária.
Nas tapadas do Mouco e D. Fernando II, e na envolvente do Convento dos Capuchos, ficaram de pé uns quantos pinheiros ou eucaliptos. Algumas zonas apresentam estacas condutores de espécies entretanto plantadas. Mas que, na Tapada D. Fernando II, estão já ameaçadas pelo recrudescimento do acacial.
"As intervenções realizadas nas tapadas da serra contrariam todas as orientações preconizadas pela Autoridade Florestal Nacional", considera Carlos Albuquerque, ex-director do Parque Natural de Sintra-Cascais. O também antigo administrador da PSML, sociedade pública que gere os parques e monumentos da serra, entende que "as acções estão a pôr em causa a própria vivência" de Sintra, e que a "desarborização completamente injustificada" ameaça a biodiversidade na área protegida e aumenta as condições para a proliferação de infestantes e a erosão dos solos.
Estas preocupações são partilhadas por um técnico florestal, que salienta o cuidado a ter com a desflorestação de zonas infestadas de acácias, pois o ensombramento condiciona o crescimento de novas plantas. "Vai ser preciso limpar todos os anos estas zonas porque senão as acácias vão engolir as novas plantações", nota o especialista, embora desconheça a dimensão dos cortes.
"Estamos de acordo que se cortem as silvas, mas as árvores que fazem parte da paisagem não podem ser cortadas de qualquer maneira, através da aplicação cega da lei", comenta, por seu lado, Adriana Jones, da Associação de Defesa do Património de Sintra, que vai questionar o ministro do Ambiente sobre a forma como os trabalhos foram acompanhados numa área património mundial e de um parque natural. "Há espécies autóctones que dependem das condições de humidade criadas pelas situações de ensombramento, o que também pode reduzir o risco de incêndio".
O director técnico da PSML, Jaime Ferreira, esclareceu que as intervenções decorrem desde 2007 e visam criar faixas de protecção para reduzir o risco de fogos florestais. A sociedade limpou 333 hectares dos 360 sob a sua gestão e que, às 20 mil árvores já plantadas, serão acrescentadas nos próximos meses mais cinco mil, de entre carvalhos, cedros, azinheiras e sobreiros. "A paisagem da serra pode desaparecer de um dia para o outro se não se fizer nada para reduzir o combustível", nota Jaime Ferreira, garantindo que, das árvores cortadas, mais "de 95 por cento eram acácias e pitósporos". O material lenhoso foi enviado para a Portucel, em troca de plantas, e "vendeu-se alguma madeira", adianta o técnico, acrescentando que a PSML possui protocolos com os serviços prisionais para a manutenção das zonas intervencionadas.