Histórias de uma família
Publicado em 1937, "Os Anos" é o penúltimo romance de Virginia Woolf (1882-1941) e o último saído em vida da autora -"Entre os Actos" já seria publicado postumamente. É o romance mais extenso de Woolf e, à época, um dos mais bem sucedidos comercialmente. Foi mesmo um "bestseller" nos EUA, onde vendeu 50 mil exemplares antes de terminado o ano de 1937.
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Publicado em 1937, "Os Anos" é o penúltimo romance de Virginia Woolf (1882-1941) e o último saído em vida da autora -"Entre os Actos" já seria publicado postumamente. É o romance mais extenso de Woolf e, à época, um dos mais bem sucedidos comercialmente. Foi mesmo um "bestseller" nos EUA, onde vendeu 50 mil exemplares antes de terminado o ano de 1937.
"O dinheiro este ano irá chover copiosamente", anota a escritora no seu diário no início do ano seguinte, fazendo planos para mudar de casa e se ver "livre" da Hogarth Press, a célebre editora que criara com o marido. Embora passagens do seu diario afirmem que a escrita do livro estava a correr-lhe bem e de modo mais fluente do que em romances anteriores, a conclusão de "Os Anos" foi demorada (cerca de cinco anos), tendo o livro sofrido profundas transformações desde a sua concepção inicial (só títulos de trabalho foram nove, antes da opção final por "Os Anos").
A primeira tradução portuguesa deste romance (publicada há uns 25 anos) tinha um subtítulo curioso e explícito: "A história de uma família". Aliás, o primeiro título pensado por Virginia Woolf foi "A Família Pargiter"; e outro foi "Gente Vulgar". O romance "Os Anos" é, portanto, uma história da família Pargiter. Ou uma sucessão de histórias de família dos Pargiter (o pai, coronel retirado, a mãe moribunda e que morre logo no primeiro capítulo, os sete filhos, os primos e tios, depois os filhos dos filhos, e etc.). Gente vulgar? É mais o enfoque. A maior parte das muitas personagens de "Os Anos" é constituída por pessoas da classe média alta retratadas na vulgaridade dos seus gestos, sentimentos, desejos, ocupações, pensamentos e palavras quotidianos. Uma quase excepção será o capítulo "1913", o mais curto, com o protagonismo aí dado à velha criada dos Pargiter quando, por venda da casa da família pra a qual trabalhou quarenta anos, ela tem de procurar um quarto para onde ir morar agora.
O tempo da história vai de 1880, no primeiro capítulo, até ao "Tempo presente", no último capítulo, que devemos situar nos inícios da década de 1930. Cada um dos outros nove capítulos situa-se em outros tantos e diferentes anos dentro desse intervalo de tempo e num único dia particular do respectivo ano. Não se trata, propriamente, de uma "saga" familiar, mas antes de uma sucessão de quadros, de sequências, sobre a passagem do tempo e sobre o que ela faz às pessoas.
"Os Anos" não é o melhor romance de Virginia Woolf, ficando bastante aquém de "As Ondas" (1931), "Rumo ao Farol" (1927), ou "Mrs. Dalloway" (1925). Pode mesmo dizer-se que, tecnicamente, é uma espécie de "retrocesso" quando comparado com aqueles. É um romance surpreendentemente comprometido com algumas convenções do realismo anterior ao "fluxo da consciência" e à fragmentação da perspectiva, aqui substituídos pelos muitos diálogos, descrições e por um narrador ausente e omnisciente. O contexto histórico é assinalado por referências aos acontecimentos políticos, sociais e reclacionados com os costumes da época: a morte do político nacionalista irlandês Parnell e a do rei Eduardo VII, as lutas sufragistas, a Primeira Guerra Mundial, o distante Império, as inovações da moderna cultura material do quotidiano (os quartos de banho, por banal exemplo). Mas este não é o melhor terreno ficcional de Woolf, o retrato social e histórico, a crítica de costumes (embora não deixe de ser delicioso vê-la ironizar neste livro quanto às elites que não se lembram de se reformarem a si próprias antes de refor-marem o mundo).