Morreu o escritor Alçada Baptista

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Adriano Miranda

Nasceu em 1927 na Covilhã. Licenciado em Direito pela Universidade de Lisboa, Alçada Baptista, que apenas exerceu advocacia entre 1950 e 1957, tem uma vasta obra literária publicada. Esteve também ligado ao jornalismo e à edição. Foi ainda cronista.

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Nasceu em 1927 na Covilhã. Licenciado em Direito pela Universidade de Lisboa, Alçada Baptista, que apenas exerceu advocacia entre 1950 e 1957, tem uma vasta obra literária publicada. Esteve também ligado ao jornalismo e à edição. Foi ainda cronista.

Admitindo ter “uma sensibilidade feminina”, Alçada Baptista enquadrava-se, segundo o próprio, entre os raros escritores que não tinham “vergonha dos afectos”: "A minha obra escrita vende-se muito por uma razão simples, porque eu sou talvez o primeiro escritor que não teve vergonha dos afectos", disse um dia o escritor sobre a sua obra - ao todo 14 títulos - que percorreu o ensaio, crónica, novela e o romance.

"A Pesca à Linha - Algumas Memórias", obra assumidamente de memórias e recordações, revelou o profundo sentido afectivo que caracteriza a escrita de Alçada Baptista, enquanto em "Um Olhar à Nossa Volta" deixou o testemunho de uma vivência colectiva registada na década de 70 e 80 marcada por inquietações político-sociais.

Mas foi com "Peregrinação Interior - Reflexões sobre Deus" (1971) e "Peregrinação Interior II - O Anjo da Esperança" (1982) que obteve a unanimidade da crítica e do público. Tem uma escrita influenciada pelo cristianismo e por pensadores como Emmanuel Mounier e Teillard de Chardin.

Da sua obra constam ainda "Documentos Políticos" (crónicas e ensaios, 1970), "O Tempo das Palavras" (1973), "Conversas com Marcello Caetano" (1973), "Os Nós e os Laços" (romance, 1985), "Catarina ou o Sabor da Maçã" (novela, 1988), "Tia Suzana, meu Amor" (romance, 1989) e "O Riso de Deus" (romance, 1994).

Em 1961 e 1969 foi candidato pela Oposição Democrática nas eleições para a Assembleia Nacional e, de 1971 a 1974, foi assessor para a Cultura do então ministro da Educação Nacional, Veiga Simão. Funcionário da Secretaria de Estado da Cultura desde 1978, presidiu aos trabalhos da criação do Instituto Português do Livro, a que presidiu até 1986.

Foi ainda um dos fundadores da revista “O tempo e o Modo”, que marcou gerações. Era ainda editor da Moraes Editora.

O escritor foi condecorado com a Ordem de Santiago, com a Grã Cruz da Ordem Militar de Cristo pelo Presidente Ramalho Eanes, em 1983 e com a Grã Cruz da Ordem do Infante pelo Presidente Mário Soares, de quem foi colaborador, em 1995.

Sócio da Academia Brasileira de Letras, da Academia das Ciências de Lisboa, e da Academia Internacional de Cultura Portuguesa, foi também presidente da Comissão de Avaliação do Mérito Cultural e administrador da Fundação Oriente.

Esquecer o autor, lembrar a pessoa

Inês Pedrosa, directora da Casa Fernando Pessoa, lembrou, em declarações à TSF, o “homem de causas”: “Foi um homem de causas, dos direitos do homem e da democracia. Mas temo que seja esquecido enquanto escritor para ser lembrado enquanto pessoa”.

Uma figura marcante da cultura portuguesa

O deputado e poeta Manuel Alegre lamentou também a morte do escritor e amigo António Alçada Baptista, de 81 anos, e descreveu-o como uma "figura marcante da cultura portuguesa". Em declarações à Agência Lusa, Manuel Alegre sublinhou ainda o papel político do ensaísta e romancista nascido na Covilhã, em 1927, "na luta pela democracia em Portugal".

"Era uma figura multifacetada, com uma cultura vastíssima, e um homem muito afectuoso nas suas relações, com os amigos e a família", recordou o poeta. Lembrou ainda "o papel importante" no estreitamento das relações de Portugal com o Brasil, e com os países africanos de língua oficial portuguesa.

Conversador e terno

O jornalista Baptista Bastos recordou Lusa que "conversar com Alçada Baptista era como assistir a um festival de memórias", a propósito da morte do escritor, hoje aos 81 anos.

"Era uma pessoa muito conversadora e terna. Talvez dos poucos escritores portugueses que não tinham inimigos, tal era a sua generosidade", referiu o jornalista.

Baptista Bastos lamentou que a obra de António Alçada Baptista fosse "um pouco esquecida" e apontou o livro "Peregrinação Interior I - Reflexões Sobre Deus" como sendo um dos livros mais importantes dos últimos 50 anos.

"É uma dramática interrogação do que é ser católico que devia ser lido e relido mais do que uma vez", afirmou.

O jornalista recordou ainda uma viagem que fez ao Brasil com Alçada Baptista juntamente com outros escritores e lembrou o amigo como "um excelente contador de histórias" de quem vai ter "muitas saudades".

Um estilo que marcou a diferença

A escritora Lídia Jorge destacou hoje o estilo de escrita de António Alçada Baptista, porque marcou a diferença pelo "imaginário intimista numa época em que predominava o imaginário social".

Em declarações à Agência Lusa sobre o desaparecimento do escritor de 81 anos, Lídia Jorge salientou que este imaginário diferente, sobre a relação entre as pessoas, "levou alguns a compará-lo a Virgílio Ferreira".

"Tocou-me, por exemplo, porque expunha uma espécie de lado metafísico que não era também comum na altura, e que era muito importante", salientou, comentando que Alçada Baptista "não o fazia com exuberância, mas com recato e delicadeza".

Recordou o impacto que tiveram as obras "Peregrinação Interior - Reflexões sobre Deus" (1971), e "Peregrinação Interior II - O Anjo da Esperança" (1982), sobretudo este último, "único dentro do género".

"A voz dele prolongou-se em romances como 'Os Nós e o Laços'" (1985), acrescentou a romancista, que o conheceu já como presidente do Instituto Português do Livro, nos anos 80 do século passado.

Era "um homem dos livros, defensor dos livros, agregador e embaixador dos escritores, o que foi muito importante na altura, e ainda hoje faz falta", sublinhou ainda a autora.

O corpo vai ser velado na Igreja das Mercês, em Lisboa, sendo amanhã levado para o Cemitério dos Prazeres.

notícia actualizada às 21h09