Deneuve no país da guerra
O sujeito que toma a palavra no título é Catherine Deneuve. E o que ela "quer ver", contra todos os conselhos em contrário é o rasto de destruição deixado a sul de Beirute pela última guerra israelo-libanesa (em 2006). Fazem-lhe a vontade e durante um dia, conduzida por um motorista que cresceu no sul do Líbano (e por toda uma equipa que só por momentos aparece em campo), Deneuve viajará por entre ruínas e terrenos minados, antes de voltar a Beirute a tempo de presidir a uma gala com embaixadores e todo o brilho "socialite".
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
O sujeito que toma a palavra no título é Catherine Deneuve. E o que ela "quer ver", contra todos os conselhos em contrário é o rasto de destruição deixado a sul de Beirute pela última guerra israelo-libanesa (em 2006). Fazem-lhe a vontade e durante um dia, conduzida por um motorista que cresceu no sul do Líbano (e por toda uma equipa que só por momentos aparece em campo), Deneuve viajará por entre ruínas e terrenos minados, antes de voltar a Beirute a tempo de presidir a uma gala com embaixadores e todo o brilho "socialite".
A ideia da dupla de realizadores libaneses Joana Hadjithomas e Khalil Joreige é simples e forte: convocar um olhar exterior (mas não um olhar exterior qualquer, o de uma grande vedeta internacional capaz de concitar imediatamente a atenção, ou mesmo a identificação, do espectador distanciado) para olhar as feridas do seu próprio país. Jogar com a estranheza para chegar a uma proximidade, até emocional. Não muito diferente do que acontece quando Angelina Jolie ou Madonna se fazem fotografar rodeadas de órfãos africanos - compreende-se a função mediática (no sentido em que as suas figuras medeiam a atenção do espectador ocidental) mas há um ponto em que a coisa se começa a tornar obscena.
"Eu Quero Ver" nunca é obsceno, mas há equívocos que o filme nunca desfaz. A quem se dirige? A um espectador tão fútil que só se interesse pelo Líbano se lhe forem dadas a contemplar as aventuras de Deneuve nessa perigosa terra? Ou, pelo contrário, trata-se de interpelar o desinteresse e o decorrente sentido de culpabilidade dos ocidentais, fazendo de Deneuve, ela própria, a "vítima" circunstancial e simbólica dessa interpelação? É uma questão a que o filme não é capaz de responder claramente, e isso tolhe-lhe o potencial impacto. Talvez por isto: se tem uma ideia para filmar o Líbano, e concedamos que mesmo uma ideia para filmar Deneuve, faltalhe uma ideia para filmar "Catherine Deneuve no Líbano". A actriz torna-se um peso morto, um pretexto para iniciar a viagem, sim, mas rapidamente um empecilho para o próprio olhar da câmara, indeciso entre a paisagem e a vedeta, quase nunca capaz de resolver a integração da segunda na primeira.
Os momentos mais fortes do filme (não a cena na estrada minada, que tal como o filme a narra parece demasiado "preparada") tornam dispensável a mediação de Deneuve, o que se impõe é o olhar da câmara e o poder da realidade filmada (os retratos de "mártires" pendurados nos postes que bordejam a estrada, ou as "ruínas de ruínas", o entulho que se acumula perto da praia para depois ser atirado ao mar). Mas não acontece muitas vezes - e temos pena de que o filme não aproveite uma pista lançada logo no início: a do Líbano como país onde a guerra está presente "em camadas", coexistindo lado a lado ruínas deixadas por guerras diferentes.
É sempre interessante, mas também é sempre frustrante, e se Hadjithomas e Joreige queriam com este filme esboçar uma "crítica da ligeireza" (os últimos planos, na gala, parecem reforçá-la) é dessa própria ligeireza que não conseguem escapar muito bem.