WALL·E também é um ET

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Tudo começou com um jogo de "baseball" e uns binóculos. Na verdade, tudo tinha começado antes para "Wall E", novo filme da parceria Disney-Pixar que estreou ontem em Portugal, com uma simples frase dita durante um jantar de amigos, em 1994: "E se os seres humanos deixassem a Terra e alguém se esquecesse de desligar o último robô?" Essa frase continuaria a pairar anos depois, e fez-se eco quando o realizador Andrew Stanton viu através de umas lentes binoculares o exacto design da cara de Wall E, a personagem-robô que dá título ao filme (e nós a pensarmos que a culpa era toda do E.T.). Os binóculos e o "baseball", então: "Estava a ver um jogo de ''baseball'', sentado muito atrás e a usar binóculos. De repente olhei para eles, virei-os para mim e comecei a dobrá-los. Lembro-me de fazer isso quando era criança, com os binóculos dos meus pais, e de imaginar uma pessoa. Notei que tinha ali uma personagem inteira, que não precisava de mais nada, nem de nariz, nem de boca", contou Andrew Stanton ao Ípsilon.

E assim descobrimos que, afinal, qualquer semelhança entre o olhar terno desta Waste Allocation Lift Loader Earth-Class (Wall E) e o do extraterrestre que Spielberg trouxe à Terra em 1982 é mesmo pura coincidência. Pode ser? "É engraçado que as pessoas refiram isso. Adoro o E.T. mas não estava a pensar nele quando criei o Wall E. Acho que começaram a compará-los porque quando ele levanta a cabeça, o pescoço e os binóculos fazem a forma de um ''T'', parecida à do E.T. Mas, honestamente, não pensei nisso."

Se Wall E e E.T. - lidos em inglês até foneticamente têm parecenças - não são irmãos legítimos, têm isto em comum: são "extraterrestres". O segundo no sentido mais literal do termo, o primeiro, Wall E, porque é um autêntico alienígena entre as animações estreadas nos últimos anos. "Wall E", a fita, recupera os primórdios da Pixar e da curta "Luxo Jr." (1986), da humanização de máquinas com parcimónia no uso de palavras. "Sempre me fascinou o ''Luxo Jr'', que é feito com um candeeiro e uma bola, e em que a mais pequena mudança de ângulo transmite diferentes atitudes, emoções. Adoro essa simplicidade", diz Stanton.

O repto foi transportar essa ideia de uma curta, que vai pouco além dos dois minutos, para um filme que ultrapassa a hora e meia. "Já vi muita gente fazer grandes espectáculos, até grandes filmes, sem diálogos. Jacques Tati, por exemplo. Nesta animação, o desafio foi estender esse conceito a 90 minutos." No restante - e aqui cabem coisas como o facto de em "Wall E" o negrume e o pessimismo caminharem ao lado do humor e do romance, o que não faz dele o típico filme animado para crianças - Stanton não podia estar mais seguro, até porque "é impossível parar a imaginação de um animador, muito menos de uma criança". "Eu costumava pensar que a minha bicicleta estava fria à chuva ou que o meu peixe estava solitário no aquário. Nem tudo tem de ser linear, mas a mim sempre me pareceu do senso comum que um robô não falasse."

Peter Gabriel está aqui

O nosso senso comum é que nunca se atreveria a imaginar que um concerto de Peter Gabriel, visto pelo cineasta de "À Procura de Nemo" (2003) na década de 1990, fosse tão importante para Wall E. "Ele [Peter Gabriel, em concerto] tinha um cenário espectacular com dois palcos. Um, quadrado, para as canções mais masculinas, outro, circular, para as mais femininas. Achei fascinante aquele jogo de formas primárias - era perfeito para as minhas máquinas, porque não queria que elas se parecessem com os humanos." Quadrado para Wall E, círculo para a futurista robô Eve (Extra-terrestrial Vegetation Evaluator). "Comecei os desenhos por aí, sem o detalhe que agora têm."

O detalhe fê-lo o tempo e, frisa, muito trabalho. "Não acho que as nossas ideias ou o que estamos a fazer seja melhor que o dos outros. No que somos muito bons é a fazer as coisas uma e outra vez, a melhorá-las. Há todo um ambiente [na Pixar] que nos encoraja a correr riscos e a cometer erros. Porque é esperado que cometamos muitos erros, e isso não assusta as pessoas."

"Em ''Wall E'', a ideia desde o primeiro segundo foi a de observar uma máquina, isso era o interessante." Stanton nunca tinha visto um filme assim e por isso decidiu fazê-lo. "Quando surgiu o conceito da história, pensávamos que nunca ninguém nos iria deixar fazer uma coisa destas. Foi por isso que o pusemos de parte, em 1994". Só que, dez anos depois, a Pixar deixou. E a Disney, sabedora do sucesso das suas produções, apoiou.

Em 2004, depois da estreia de "Nemo" e já com um primeiro esboço do guião de "Wall E", o realizador decidiu atirar-se à história deste robô compressor de lixo num planeta Terra pós-apocalíptico. "Não gosto de grandes debates. Sabia que não conseguiríamos criar nada a menos que começássemos a tentar. Então, quando toda a gente pensava que estava de férias, peguei em três artistas de ''storyboard'' e num editor de imagem e fizemos uma versão rudimentar dos primeiros 20 minutos do filme. Isso permitiu-me, sem pressão, ser corajoso, experimentar coisas que queria experimentar - e foi assim que encontrei o tom do filme."

O tom estava encontrado, faltava o som. E quem melhor para dar vida a Wall E e aos restantes robôs que o veterano Ben Burtt, vencedor de dois Óscares pelo seu trabalho como sonoplasta, homem da saga Guerra das Estrelas e também de... E.T.. Insistimos: não há coincidências...

Andrew Stanton, que arrecadou o Óscar para Melhor Animação em 2004 ("À Procura de Nemo"), não é adepto dos grandes artifícios tecnológicos - "A tecnologia é chata, não há nela nada que seja sexy". Por isso não se estranha que, quando lhe pedimos que fale da sua carreira, comece por dizer que estudou no California Institute of the Arts.

"As histórias são aquilo que insiste em fascinar-me." Pensamos nos dois tomos de "Toy Story", que ajudou a escrever, e a frase parece-nos acertada. Prossegue: "Continuo a ver ''O Feiticeiro de Oz'', a ''Guerra das Estrelas'', a ''Branca de Neve''. E nesses filmes a tecnologia está longe de ser o mais importante. O facto de as técnicas serem antiquadas não me impede de ficar envolvido na história."

Outrora jovem prodígio, é aos 42 anos um realizador seguro. Está a trabalhar com Mark Andrews ("Ratatouille", "Os Incríveis") na adaptação de "John Carter of Mars", obra de Edgar Rice Burroughs ("Tarzan") que deve estrear em 2012, mas sabe que "não existe o filme perfeito". "Se analisares a tua cara ao espelho durante tempo suficiente, continuarás sempre a encontrar alguma coisa que está mal. Com os filmes é a mesma coisa. Estou é acostumado ao processo. Sei que a data está a aproximar-se e que o filme terá que estar pronto. Ainda bem, porque se essa data não existisse ainda hoje estaria a trabalhar no "Toy Story"."

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Tudo começou com um jogo de "baseball" e uns binóculos. Na verdade, tudo tinha começado antes para "Wall E", novo filme da parceria Disney-Pixar que estreou ontem em Portugal, com uma simples frase dita durante um jantar de amigos, em 1994: "E se os seres humanos deixassem a Terra e alguém se esquecesse de desligar o último robô?" Essa frase continuaria a pairar anos depois, e fez-se eco quando o realizador Andrew Stanton viu através de umas lentes binoculares o exacto design da cara de Wall E, a personagem-robô que dá título ao filme (e nós a pensarmos que a culpa era toda do E.T.). Os binóculos e o "baseball", então: "Estava a ver um jogo de ''baseball'', sentado muito atrás e a usar binóculos. De repente olhei para eles, virei-os para mim e comecei a dobrá-los. Lembro-me de fazer isso quando era criança, com os binóculos dos meus pais, e de imaginar uma pessoa. Notei que tinha ali uma personagem inteira, que não precisava de mais nada, nem de nariz, nem de boca", contou Andrew Stanton ao Ípsilon.

E assim descobrimos que, afinal, qualquer semelhança entre o olhar terno desta Waste Allocation Lift Loader Earth-Class (Wall E) e o do extraterrestre que Spielberg trouxe à Terra em 1982 é mesmo pura coincidência. Pode ser? "É engraçado que as pessoas refiram isso. Adoro o E.T. mas não estava a pensar nele quando criei o Wall E. Acho que começaram a compará-los porque quando ele levanta a cabeça, o pescoço e os binóculos fazem a forma de um ''T'', parecida à do E.T. Mas, honestamente, não pensei nisso."

Se Wall E e E.T. - lidos em inglês até foneticamente têm parecenças - não são irmãos legítimos, têm isto em comum: são "extraterrestres". O segundo no sentido mais literal do termo, o primeiro, Wall E, porque é um autêntico alienígena entre as animações estreadas nos últimos anos. "Wall E", a fita, recupera os primórdios da Pixar e da curta "Luxo Jr." (1986), da humanização de máquinas com parcimónia no uso de palavras. "Sempre me fascinou o ''Luxo Jr'', que é feito com um candeeiro e uma bola, e em que a mais pequena mudança de ângulo transmite diferentes atitudes, emoções. Adoro essa simplicidade", diz Stanton.

O repto foi transportar essa ideia de uma curta, que vai pouco além dos dois minutos, para um filme que ultrapassa a hora e meia. "Já vi muita gente fazer grandes espectáculos, até grandes filmes, sem diálogos. Jacques Tati, por exemplo. Nesta animação, o desafio foi estender esse conceito a 90 minutos." No restante - e aqui cabem coisas como o facto de em "Wall E" o negrume e o pessimismo caminharem ao lado do humor e do romance, o que não faz dele o típico filme animado para crianças - Stanton não podia estar mais seguro, até porque "é impossível parar a imaginação de um animador, muito menos de uma criança". "Eu costumava pensar que a minha bicicleta estava fria à chuva ou que o meu peixe estava solitário no aquário. Nem tudo tem de ser linear, mas a mim sempre me pareceu do senso comum que um robô não falasse."

Peter Gabriel está aqui

O nosso senso comum é que nunca se atreveria a imaginar que um concerto de Peter Gabriel, visto pelo cineasta de "À Procura de Nemo" (2003) na década de 1990, fosse tão importante para Wall E. "Ele [Peter Gabriel, em concerto] tinha um cenário espectacular com dois palcos. Um, quadrado, para as canções mais masculinas, outro, circular, para as mais femininas. Achei fascinante aquele jogo de formas primárias - era perfeito para as minhas máquinas, porque não queria que elas se parecessem com os humanos." Quadrado para Wall E, círculo para a futurista robô Eve (Extra-terrestrial Vegetation Evaluator). "Comecei os desenhos por aí, sem o detalhe que agora têm."

O detalhe fê-lo o tempo e, frisa, muito trabalho. "Não acho que as nossas ideias ou o que estamos a fazer seja melhor que o dos outros. No que somos muito bons é a fazer as coisas uma e outra vez, a melhorá-las. Há todo um ambiente [na Pixar] que nos encoraja a correr riscos e a cometer erros. Porque é esperado que cometamos muitos erros, e isso não assusta as pessoas."

"Em ''Wall E'', a ideia desde o primeiro segundo foi a de observar uma máquina, isso era o interessante." Stanton nunca tinha visto um filme assim e por isso decidiu fazê-lo. "Quando surgiu o conceito da história, pensávamos que nunca ninguém nos iria deixar fazer uma coisa destas. Foi por isso que o pusemos de parte, em 1994". Só que, dez anos depois, a Pixar deixou. E a Disney, sabedora do sucesso das suas produções, apoiou.

Em 2004, depois da estreia de "Nemo" e já com um primeiro esboço do guião de "Wall E", o realizador decidiu atirar-se à história deste robô compressor de lixo num planeta Terra pós-apocalíptico. "Não gosto de grandes debates. Sabia que não conseguiríamos criar nada a menos que começássemos a tentar. Então, quando toda a gente pensava que estava de férias, peguei em três artistas de ''storyboard'' e num editor de imagem e fizemos uma versão rudimentar dos primeiros 20 minutos do filme. Isso permitiu-me, sem pressão, ser corajoso, experimentar coisas que queria experimentar - e foi assim que encontrei o tom do filme."

O tom estava encontrado, faltava o som. E quem melhor para dar vida a Wall E e aos restantes robôs que o veterano Ben Burtt, vencedor de dois Óscares pelo seu trabalho como sonoplasta, homem da saga Guerra das Estrelas e também de... E.T.. Insistimos: não há coincidências...

Andrew Stanton, que arrecadou o Óscar para Melhor Animação em 2004 ("À Procura de Nemo"), não é adepto dos grandes artifícios tecnológicos - "A tecnologia é chata, não há nela nada que seja sexy". Por isso não se estranha que, quando lhe pedimos que fale da sua carreira, comece por dizer que estudou no California Institute of the Arts.

"As histórias são aquilo que insiste em fascinar-me." Pensamos nos dois tomos de "Toy Story", que ajudou a escrever, e a frase parece-nos acertada. Prossegue: "Continuo a ver ''O Feiticeiro de Oz'', a ''Guerra das Estrelas'', a ''Branca de Neve''. E nesses filmes a tecnologia está longe de ser o mais importante. O facto de as técnicas serem antiquadas não me impede de ficar envolvido na história."

Outrora jovem prodígio, é aos 42 anos um realizador seguro. Está a trabalhar com Mark Andrews ("Ratatouille", "Os Incríveis") na adaptação de "John Carter of Mars", obra de Edgar Rice Burroughs ("Tarzan") que deve estrear em 2012, mas sabe que "não existe o filme perfeito". "Se analisares a tua cara ao espelho durante tempo suficiente, continuarás sempre a encontrar alguma coisa que está mal. Com os filmes é a mesma coisa. Estou é acostumado ao processo. Sei que a data está a aproximar-se e que o filme terá que estar pronto. Ainda bem, porque se essa data não existisse ainda hoje estaria a trabalhar no "Toy Story"."