George Lucas: O eterno regresso dos Jedi

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Afinal, o que estava encerrado era o rol da família Skywalker. Havia ainda muita roupa de outras famílias para lavar, especialmente das clonadas. Mas Lucas nem é responsável pela escrita, nem pela realização de "Guerra dos Clones", que ontem se estreou em Portugal. Entregou a batuta ao "fanboy" Dave Filoni, que tinha realizado "cartoons" para televisão, e a escrita a uma equipa. Mas seja o que for que os espectadores saiam da sala de cinema a pensar, a responsabilidade vai ser sempre de George Lucas.

E há outra coisa de que não se livra. Lucas vive há 31 anos de "Guerra das Estrelas", com os seus seis filmes, série de televisão e agora um filme de animação que é uma espécie de ante-estreia da série animada que se estreia em Outubro no Cartoon Network americano - e há mais uma série de TV de acção real prevista. E por isso mesmo, "J'accuse": George Lucas é culpado de autofagia do culto.

Apesar dos inúmeros produtos associados assinados por terceiros - de romances a videojogos - e da mitologia que construiu, tudo o que leva o nome Lucas tem de ser feito como o mestre (Jedi) quer. O que é justo, tendo em conta que a sua prodigiosa imaginação "sci-fi" arquetipal pariu Luke, Leia, Obi-Wan ou o Imperador. Mas como qualquer mãe, Lucas confronta-se, especialmente aos 31 anos do seu filho pródigo, com o dilema de o entregar a outras mãos ou de o proteger em sua casa.

Como não parece estar disposto a enfrentar uma possível síndrome do ninho vazio, está novamente a ressuscitar o "franchise", no mesmo ano em que fez regressar Indiana Jones. E, como um autófago que se alimenta da sua essência, pode fazer o que quiser com a mitologia. Quando fundou a Lucasfilm Animation (cuja primeira produção é este filme e a série de TV "Clone Wars"), rodeou-se de jovens fãs da sua "Guerra", entre os quais o realizador Dave Filoni, a quem chama o seu jovem "padawan" (o aprendiz de um mestre Jedi), e que em 2005 foi à estreia de "A Vingança dos Sith" vestido como o Jedi Plo Kloon.

Lucas também pode fazer o que quer com os estúdios, nomeadamente, levar a "Guerra das Estrelas" ousadamente onde nunca foi: até à TimeWarner, abandonando neste filme o genérico da Fox que quase se colava à banda sonora de John Williams nos seis filmes de "live action". E é uma tal super-estrela que, aparentemente, só a Estrela da Morte o pode parar. Apresentou a série de TV já feita, algo invulgar numa indústria que vive de episódios-piloto e da pós-aprovação das televisões. "É muito mais fácil para mim simplesmente fazer a série que eu quero e dizer: 'Está aqui, querem licenciá-la ou não?' E é isto. Não há anotações, nem comentários. Não quero saber da vossa opinião. Ou a transmitem ou não", disse ao "New York Times".

"Guerra das Estrelas": parque infantil

George Lucas diz há anos que quer fazer "pequenos filmes", projectos pessoais, narrativas intimistas a que se pode dar ao luxo de se entregar dada a sua fortuna e sucesso pop com "Guerra das Estrelas" e com a produção de quatro "Indiana Jones". O projecto sobre os Tuskegee, os primeiros aviadores negros da história militar norte-americana, "Red Tails", que há muito é o único extra-"Star Wars" associado a Lucas, tê-lo-á apenas como produtor. "Todos nós gostaríamos de fazer aqueles pequenos filmes pessoais que se infiltram nas salas sob os radares", comentou Steven Spielberg ao "New York Times". "Tristemente, para o George e para mim, e para outros que gozaram e suportaram grande sucesso, 'sob o radar' tornou-se uma zona de voo proibido."

Lucas regressa então, sempre e uma vez mais, ao seu eterno filão. "'A 'Guerra das Estrelas' é um parque infantil em que adoro brincar. Não se trata de provar nada a ninguém. Não tenho de o fazer", desdramatiza ao "New York Times". O seu trabalho solipsista acaba por dar frutos tecnológicos à indústria. O som THX, os feitos da Industrial Light and Magic e o impacto na montagem da máquina EditDroid, tudo frutos da árvore Lucas, estão na indústria para ficar. Tal como o modelo de negócio criado com a Fox quando se assegurou, em 1977, de que manteria os direitos sobre o "merchandising" da saga.

Mas quando toca a ir ao cinema ver mais uma degeneração de "Guerra das Estrelas", até alguns fãs da linha dura t(r)emem. Lucas explica que, como a história de Anakin Skywalker passar de herói a vilão e depois a fantasma redimido é muito "estreita" e como criou "um universo que é muito, muito grande", há ainda muito por explorar. Daí a "Guerra dos Clones" e as séries que lhe seguirão.

A crítica dividiu-se sobre "Guerra dos Clones", cujos acontecimentos se passam nos três anos entre a segunda e a terceira prequela e que conta com as vozes de Samuel L. Jackson, Anthony Daniels e Christopher Lee. Há aqueles que acham que este "pode ser o filme que destrona "O Cavaleiro das Trevas"" ("Wired") e os que pensam que não é mais do que uma desculpa para mostrar batalhas consecutivas de sabre de luz em riste. E há os que balançam no arame: "Os miseráveis filmes da trilogia de prequela de 'Guerra das Estrelas' baixaram tanto as expectativas (...) que este surge como uma surpresa: não é o filme mais doloroso do ano!" ("New York Times"). No fundo, os ecos das prequelas, que deixaram a desejar a fãs e a críticos, ainda se ouvem à entrada para a sala de "Guerra dos Clones" e há quem clame por uma passagem de testemunho, por um regresso aos tempos de "American Graffiti".

Talvez, como no primeiro dos filmes, haja uma nova esperança. No calor do Skywalker Ranch, Lucas está ciente do seu poder. E das suas falhas. Ou pelo menos, sabe encaixar uma piada. Entre relíquias que fariam guinchar qualquer "fanboy", há um pedaço de carbonite, na qual está preso não Han Solo, mas um Jar Jar Binks para sempre (esperamos) confinado à liga metálica cor de bronze, congelado num eterno esgar de dor.

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Afinal, o que estava encerrado era o rol da família Skywalker. Havia ainda muita roupa de outras famílias para lavar, especialmente das clonadas. Mas Lucas nem é responsável pela escrita, nem pela realização de "Guerra dos Clones", que ontem se estreou em Portugal. Entregou a batuta ao "fanboy" Dave Filoni, que tinha realizado "cartoons" para televisão, e a escrita a uma equipa. Mas seja o que for que os espectadores saiam da sala de cinema a pensar, a responsabilidade vai ser sempre de George Lucas.

E há outra coisa de que não se livra. Lucas vive há 31 anos de "Guerra das Estrelas", com os seus seis filmes, série de televisão e agora um filme de animação que é uma espécie de ante-estreia da série animada que se estreia em Outubro no Cartoon Network americano - e há mais uma série de TV de acção real prevista. E por isso mesmo, "J'accuse": George Lucas é culpado de autofagia do culto.

Apesar dos inúmeros produtos associados assinados por terceiros - de romances a videojogos - e da mitologia que construiu, tudo o que leva o nome Lucas tem de ser feito como o mestre (Jedi) quer. O que é justo, tendo em conta que a sua prodigiosa imaginação "sci-fi" arquetipal pariu Luke, Leia, Obi-Wan ou o Imperador. Mas como qualquer mãe, Lucas confronta-se, especialmente aos 31 anos do seu filho pródigo, com o dilema de o entregar a outras mãos ou de o proteger em sua casa.

Como não parece estar disposto a enfrentar uma possível síndrome do ninho vazio, está novamente a ressuscitar o "franchise", no mesmo ano em que fez regressar Indiana Jones. E, como um autófago que se alimenta da sua essência, pode fazer o que quiser com a mitologia. Quando fundou a Lucasfilm Animation (cuja primeira produção é este filme e a série de TV "Clone Wars"), rodeou-se de jovens fãs da sua "Guerra", entre os quais o realizador Dave Filoni, a quem chama o seu jovem "padawan" (o aprendiz de um mestre Jedi), e que em 2005 foi à estreia de "A Vingança dos Sith" vestido como o Jedi Plo Kloon.

Lucas também pode fazer o que quer com os estúdios, nomeadamente, levar a "Guerra das Estrelas" ousadamente onde nunca foi: até à TimeWarner, abandonando neste filme o genérico da Fox que quase se colava à banda sonora de John Williams nos seis filmes de "live action". E é uma tal super-estrela que, aparentemente, só a Estrela da Morte o pode parar. Apresentou a série de TV já feita, algo invulgar numa indústria que vive de episódios-piloto e da pós-aprovação das televisões. "É muito mais fácil para mim simplesmente fazer a série que eu quero e dizer: 'Está aqui, querem licenciá-la ou não?' E é isto. Não há anotações, nem comentários. Não quero saber da vossa opinião. Ou a transmitem ou não", disse ao "New York Times".

"Guerra das Estrelas": parque infantil

George Lucas diz há anos que quer fazer "pequenos filmes", projectos pessoais, narrativas intimistas a que se pode dar ao luxo de se entregar dada a sua fortuna e sucesso pop com "Guerra das Estrelas" e com a produção de quatro "Indiana Jones". O projecto sobre os Tuskegee, os primeiros aviadores negros da história militar norte-americana, "Red Tails", que há muito é o único extra-"Star Wars" associado a Lucas, tê-lo-á apenas como produtor. "Todos nós gostaríamos de fazer aqueles pequenos filmes pessoais que se infiltram nas salas sob os radares", comentou Steven Spielberg ao "New York Times". "Tristemente, para o George e para mim, e para outros que gozaram e suportaram grande sucesso, 'sob o radar' tornou-se uma zona de voo proibido."

Lucas regressa então, sempre e uma vez mais, ao seu eterno filão. "'A 'Guerra das Estrelas' é um parque infantil em que adoro brincar. Não se trata de provar nada a ninguém. Não tenho de o fazer", desdramatiza ao "New York Times". O seu trabalho solipsista acaba por dar frutos tecnológicos à indústria. O som THX, os feitos da Industrial Light and Magic e o impacto na montagem da máquina EditDroid, tudo frutos da árvore Lucas, estão na indústria para ficar. Tal como o modelo de negócio criado com a Fox quando se assegurou, em 1977, de que manteria os direitos sobre o "merchandising" da saga.

Mas quando toca a ir ao cinema ver mais uma degeneração de "Guerra das Estrelas", até alguns fãs da linha dura t(r)emem. Lucas explica que, como a história de Anakin Skywalker passar de herói a vilão e depois a fantasma redimido é muito "estreita" e como criou "um universo que é muito, muito grande", há ainda muito por explorar. Daí a "Guerra dos Clones" e as séries que lhe seguirão.

A crítica dividiu-se sobre "Guerra dos Clones", cujos acontecimentos se passam nos três anos entre a segunda e a terceira prequela e que conta com as vozes de Samuel L. Jackson, Anthony Daniels e Christopher Lee. Há aqueles que acham que este "pode ser o filme que destrona "O Cavaleiro das Trevas"" ("Wired") e os que pensam que não é mais do que uma desculpa para mostrar batalhas consecutivas de sabre de luz em riste. E há os que balançam no arame: "Os miseráveis filmes da trilogia de prequela de 'Guerra das Estrelas' baixaram tanto as expectativas (...) que este surge como uma surpresa: não é o filme mais doloroso do ano!" ("New York Times"). No fundo, os ecos das prequelas, que deixaram a desejar a fãs e a críticos, ainda se ouvem à entrada para a sala de "Guerra dos Clones" e há quem clame por uma passagem de testemunho, por um regresso aos tempos de "American Graffiti".

Talvez, como no primeiro dos filmes, haja uma nova esperança. No calor do Skywalker Ranch, Lucas está ciente do seu poder. E das suas falhas. Ou pelo menos, sabe encaixar uma piada. Entre relíquias que fariam guinchar qualquer "fanboy", há um pedaço de carbonite, na qual está preso não Han Solo, mas um Jar Jar Binks para sempre (esperamos) confinado à liga metálica cor de bronze, congelado num eterno esgar de dor.