Revolução chinesa na nova Saatchi
É luminoso, é amplo, cheira a novo - madeira acabada de pôr no chão, tinta acabada de pôr - e deixa as obras respirarem nas paredes. Lá dentro, mesmo com a multidão de jovens e velhos, turistas e londrinos que aproveitam a entrada de graça, é possível ver com relativo grau de amplitude as obras dos artistas chineses de "The Revolution Continues: New Chinese Art", a exposição com que inaugurou, no princípio de Outubro, o novo espaço de Charles Saatchi, o homem da publicidade responsável pelos Young British Artists e pela aposta em artistas que hoje fazem fortunas, como Damien Hirst.
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É luminoso, é amplo, cheira a novo - madeira acabada de pôr no chão, tinta acabada de pôr - e deixa as obras respirarem nas paredes. Lá dentro, mesmo com a multidão de jovens e velhos, turistas e londrinos que aproveitam a entrada de graça, é possível ver com relativo grau de amplitude as obras dos artistas chineses de "The Revolution Continues: New Chinese Art", a exposição com que inaugurou, no princípio de Outubro, o novo espaço de Charles Saatchi, o homem da publicidade responsável pelos Young British Artists e pela aposta em artistas que hoje fazem fortunas, como Damien Hirst.
A nova Galeria Saatchi fica em Londres, em Chelsea (saída de metro: Sloane Square e é ir sempre em frente até encontrar a indicação The Duke of York's HQ, virando então à esquerda), num edifício de 6500 metros quadrados com 200 anos, que se divide por três andares, tem uma quinzena de salas e foi restaurado pelos arquitectos Paul Davis e Partners and Allford Hall Monaghan Morris.
Depois de atravessar o imenso relvado em frente ao edifício, tentemos então entrar na "revolução" chinesa. A entrada é grátis, mas convém comprar o guia (1,5 libras), caso contrário corre-se o risco de ficar de fora: não há textos explicativos, apenas legendas para as obras.
Primeira impressão: esta "revolução" é sobretudo impactante. Com obras de grande formato que se impõem no chão, como a escultura de um burro que trepa pela torre de Jin Mao, até há pouco tempo a mais alta da China, em "Donkey", 2005, de Zhang Huan - artista que trabalha os temas da "identidade, espiritualismo, vulnerabilidade e transgressão" - ou que se impõem nas paredes - as telas de Zhang Xiaogang, um dos artistas chineses mais cotados (as suas obras atingem os 1,2 milhões de euros) e que ali está representado com os seus retratos (alguns de "família", alguns a evocar a Revolução Cultural).
Esta "revolução" é muitas vezes espectáculo e sabe que é esse o efeito que provoca: o "auto-retrato" de Cang Xin ("Communication", 2006), uma performance que se tornou numa escultura hiper-realista de um homem deitado no chão, parece tão real que é ver as máquinas dos visitantes em punho a aproximarem-se, de joelhos, do seu rosto, mas sobretudo da sua língua de fora; o corpo gigante da mulher de pernas abertas de "Your Body" (2005), de Xiang Jing, é mais imponente, mas não parece dar tanta vontade de fotografar - as obras desta artista alternam entre a miniatura e o "larger than life" e retratam as experiências das mulheres contemporâneas.
Política-espectáculo
Esta revolução é poucas vezes explicitamente política: é certo que há uma biografia inventada de Mao nas obras de Shi Xinning, com ele a imaginá-lo na conferência de Ialta, ao lado de Churchill, Roosevelt e Estaline ou num encontro com McCarthy, há Mao em pacotes de cereais (Zhang Hongtu, "Long Live Chairman Mao Series, 1989), ou Mao com cabeça de gato (Qiu Jie, "Portrait of Mao", 2007) - mas até que ponto isto não é mais reflexo de iconografia pop do que crítica política? Mesmo que o seja, parece agitar pouco.
Será preciso inverter a marcha, descer as escadas e ir à última galeria para ver as obras talvez mais explicitamente políticas que são, também, as mais espectaculares. Uma série de recriações de líderes políticos como Fidel Castro ou Yasser Arafat, decrépitos, em cadeiras de rodas, circulam ao acaso pela sala e chocam uns com os outros em "Old Persons Home" (2007), da dupla Sun Yuan e Peng Yu - é impressionante o pormenor de realismo das figuras, os cabelos, as sardas da idade, as rugas e os papos.
Esta revolução é a imagem do coleccionador, Charles Saatchi, que aqui "oferece uma rápida ideia do tipo de arte internacional que percorre as bienais e as leiloeiras, mais algumas obras dele próprio, antes de as enviar para o mercado outra vez", ironizava o "Guardian" - a arte chinesa continua em alta nos mercados. Tirando o entusiasmo de alguns jornais como o "Financial Times" - que escrevia que esta colecção de arte chinesa era a que a Tate Modern "se mataria por ter" -, muitas críticas à exposição de abertura de Saatchi foram negativas. O "Guardian" ia ainda mais longe: "O que quer que estas obras signifiquem para os chineses, todas andam à volta das ideias ocidentais sobre a China." Adrian Searle, "o" crítico de artes plásticas daquele jornal britânico, dizia o mesmo por outras palavras: "A arte pode vir da China, mas diz coisas familiares, do tipo Saatchi."
Esta é a terceira galeria de Charles Saatchi, depois de em 1985 se ter instalado numa fábrica desactivada em St John's Wood e de ter sido despejado da segunda, em County Hall, South Bank, em 2005. Levou três anos a pôr de pé, mais um do que o previsto, e o coleccionador gastou uma "pequena fortuna" embora se recuse a dar números. Quando lhe perguntaram o que se seguiria à China, se seria uma exposição islâmica, respondeu que sim, que estava a trabalhar numa para 2010 chamada "Out of Arabia": "O que encontrei até agora do Irão e do Iraque é encorajador." Saatchi, o publicitário, sempre atento ao mercado: a arte do Médio Oriente começa justamente a "acordar", como definiu recentemente a Artprice, empresa francesa que todos os anos faz o ponto da situação do mercado da arte.