Casos da vida
Cédric Klapisch tem como título de glória (duvidosa glória, diga-se), "L'Auberge Espagnole" (2002), enorme sucesso de bilheteira sobre jovens num programa Erasmus, em Barcelona, com histórias cruzadas e todos os rodriguinhos possíveis e imagináveis. Agora, neste "Paris", vira-se para a cidade-luz, desenvolvendo uma pretensiosa narrativa em mosaico, misto de bilhete-postal multicultural e de pirosa telenovela com todos os matadores: um jovem muito doente (um discreto e sofredor Romain Duris), com problemas cardíacos, a quem a irmã (Juliette Binoche, ainda o melhor deste inacreditável telefilme) vem prestar assistência, um professor deprimido (o cabotino Fabrice Lucchini, igual a si próprio), especialista da história parisiense, que se apaixona por uma aluna mais nova e lhe manda sms comprometedores, o irmão deste, arquitecto, casado e à beira de ser pai, empregados de mercado, meninas da moda "interessadas" no mundo do trabalho e, sobretudo, em pífios romances interclassistas, emigrantes africanos, que naufragam antes de atingir o Eldorado, uma padeira estereotipada, que dá emprego na padaria a uma descendente de norte-africanos, aproveitando para tecer comentários a todos os provincianos (e estrangeiros) que pululam numa cidade repleta de contradições.Quando estreou o fabuloso "Rendez-Vous de Paris" (1995) de Éric Rohmer, não faltou quem acusasse o realizador de racismo, ao apresentar uma visão exclusivamente branca e de classe média-alta, ignorando os imigrantes e os trabalhadores. Ora, o plano de Klapisch, sem atender a uma mínima visão cinematográfica, situase, lamentavelmente, nos seus antípodas, forçando o politicamente correcto em insuportável programa de meter tudo (mas mesmo tudo) no mesmo saco. Rohmer tinha um ponto de vista; Klapisch possui o desejo de ser abrangente, sem definir personagens, nem situações, para além de uma ténue trama, apenas com o intuito de agradar a todos os sectores: não escapa ao folclorismo da canção de Francis Lemarque, "À Paris", tocada em acordeão, mas sublinha à exaustão todas as raças de um cadinho ridículo e programático.
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Cédric Klapisch tem como título de glória (duvidosa glória, diga-se), "L'Auberge Espagnole" (2002), enorme sucesso de bilheteira sobre jovens num programa Erasmus, em Barcelona, com histórias cruzadas e todos os rodriguinhos possíveis e imagináveis. Agora, neste "Paris", vira-se para a cidade-luz, desenvolvendo uma pretensiosa narrativa em mosaico, misto de bilhete-postal multicultural e de pirosa telenovela com todos os matadores: um jovem muito doente (um discreto e sofredor Romain Duris), com problemas cardíacos, a quem a irmã (Juliette Binoche, ainda o melhor deste inacreditável telefilme) vem prestar assistência, um professor deprimido (o cabotino Fabrice Lucchini, igual a si próprio), especialista da história parisiense, que se apaixona por uma aluna mais nova e lhe manda sms comprometedores, o irmão deste, arquitecto, casado e à beira de ser pai, empregados de mercado, meninas da moda "interessadas" no mundo do trabalho e, sobretudo, em pífios romances interclassistas, emigrantes africanos, que naufragam antes de atingir o Eldorado, uma padeira estereotipada, que dá emprego na padaria a uma descendente de norte-africanos, aproveitando para tecer comentários a todos os provincianos (e estrangeiros) que pululam numa cidade repleta de contradições.Quando estreou o fabuloso "Rendez-Vous de Paris" (1995) de Éric Rohmer, não faltou quem acusasse o realizador de racismo, ao apresentar uma visão exclusivamente branca e de classe média-alta, ignorando os imigrantes e os trabalhadores. Ora, o plano de Klapisch, sem atender a uma mínima visão cinematográfica, situase, lamentavelmente, nos seus antípodas, forçando o politicamente correcto em insuportável programa de meter tudo (mas mesmo tudo) no mesmo saco. Rohmer tinha um ponto de vista; Klapisch possui o desejo de ser abrangente, sem definir personagens, nem situações, para além de uma ténue trama, apenas com o intuito de agradar a todos os sectores: não escapa ao folclorismo da canção de Francis Lemarque, "À Paris", tocada em acordeão, mas sublinha à exaustão todas as raças de um cadinho ridículo e programático.
O episódio do jovem dos Camarões, que ruma à cidade grande em busca de oportunidades, termina com a notícia radiofónica de um desastre, apenas servindo para incluir dispensáveis planos de uma África francófona atingida pelo desemprego e pela fome. A morte da vendedeira do mercado, em acidente de mota, não possui outra função que não a de cruzar, aleatoriamente, os protagonistas das diversas histórias em típico desaproveitamento narrativo, um "novelão" recheado de trágicos acontecimentos. O epílogo suspende-se com a ida do cardíaco para o hospital, para fazer um transplante, sobrepondo parte do genérico final com mais um postal aéreo de Paris e inserindo na acção um reaccionário taxista que protesta contra as manifestações que cortam o trânsito.
Não falta nada, nem as criancinhas da personagem de Juliette Binoche, que "acampam" na casa do tio, confrontadas com o sofrimento e a morte, como nos inenarráveis telefilmes da TVI, a que se dá o pomposo e desajustado título de "Casos de Vida", confundindo esta com o mau (e falso) melodrama de pacotilha, com um chorrilho de lugares-comuns, instituídos em verosímeis episódios do quotidiano.
O que se salva da catástrofe? Muito pouco: panorâmicas sobre a cidade, vista de cima, de lado, de frente, algumas rábulas algo divertidas, na padaria, e a evidência de actores profissionais, sem material para resgatar a mediocridade do conjunto.