O psiquiatra queria ser dealer
Ao longo do Verão, Luke e o dr. Squires tornam-se os amigos mais improváveis, ou talvez não, porque o psiquiatra que se charra nas horas vagas está a passar por uma crise de meia-idade trazida (acreditem ou não) pelo facto de ser uma espécie de Luke, 30 anos depois, e nunca ter conseguido ultrapassá-lo.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Ao longo do Verão, Luke e o dr. Squires tornam-se os amigos mais improváveis, ou talvez não, porque o psiquiatra que se charra nas horas vagas está a passar por uma crise de meia-idade trazida (acreditem ou não) pelo facto de ser uma espécie de Luke, 30 anos depois, e nunca ter conseguido ultrapassá-lo.
Que tudo isto se passe em 1994 é o único pormenor mais esdrúxulo da comédia doce-amarga de Jonathan Levine; afinal, não há razão que torne o seu olhar sensível sobre as dificuldades da passagem à idade adulta, qualquer que seja a idade que se tem, mais típico de 1994 do que de 2008. Mas pronto, Levine assim o decidiu e é um pormenor que não afecta esta fita que traz todas as marcas do actual cinema pseudoindependente americano mas evita de justeza as suas principais armadilhas. É verdade que não há assim tanta substância como isso nesta história de um adolescente a aprender a ser adulto e de um adulto que descobre que talvez nunca o tenha sido realmente; a ilusão que há vem dos vapores herbais que pontuam todo o filme, da fotografia acinzentadamente húmida de Petra Korner, do ambiente fluido em que tudo decorre. Mas depois percebe-se que Levine está mais interessado em recriar um ambiente emocional do que numa estrutura narrativa causa-efeito. Afinal, não é habitual que os momentos-chave da passagem à idade adulta (que, é certo, são seguidos à risca na construção da história) sigam rigorosamente uma estrutura dramatúrgica tradicional.
Mesmo isso não seria suficiente se não fossem os actores principais: Josh Peck, a fazer lembrar o Alan Ruck do imortal "Rei dos Gazeteiros" de John Hughes, e sobretudo o veterano Ben Kingsley, hilariante como psiquiatra frique em busca do sentido da vida. É a segunda grande performance que este ano vemos ao shakespeareano actor inglês depois de "Elegy" de Isabel Coixet (que ainda está por estrear entre nós), e o seu rapport com Peck torna "À Deriva" em fita à qual vale a pena deitar uma olhadela.