Cientistas reconstituem genoma do mamute

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Estes investigadores já tinham sequenciado o ADN das mitocôndrias de mamute, as “baterias” das células vivas. Mas enquanto o ADN mitocondrial é uma sequência molecular com apenas 13 milhões de “letras” (ou moléculas de base A, T, G, C), o ADN do núcleo celular, onde se encontra a esmagadora maioria dos genes (que no mamute são cerca de 20 mil) corresponde a uma sequência de ADN com uns quatro mil milhões de letras! Até há pouco, a mera dimensão do objecto impossibilitava a sua leitura.

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Estes investigadores já tinham sequenciado o ADN das mitocôndrias de mamute, as “baterias” das células vivas. Mas enquanto o ADN mitocondrial é uma sequência molecular com apenas 13 milhões de “letras” (ou moléculas de base A, T, G, C), o ADN do núcleo celular, onde se encontra a esmagadora maioria dos genes (que no mamute são cerca de 20 mil) corresponde a uma sequência de ADN com uns quatro mil milhões de letras! Até há pouco, a mera dimensão do objecto impossibilitava a sua leitura.

Só que os avanços das técnicas de sequenciação têm sido espectaculares, tornando-as mais potentes, praticáveis, rápidas e baratas. Ao ponto que já permitiram sequenciar genomas humanos como os do Nobel James Watson. E, de facto, o assalto agora feito ao núcleo das células de mamute revelou-se um sucesso. Por enquanto, o resultado ainda é um rascunho, onde subsistem erros de leitura e faltam bocados (os cientistas estimam estar na posse de uns 80 por cento do genoma), mas isso não impede que a Nature faça na sua edição de hoje as honras ao acontecimento, publicando os novos resultados e mais dois artigos sobre o tema.

Bola de pêlo pré-histórica

Foi há cerca de 1,6 milhões de anos que apareceram os mamutes. Viveram em África, na Europa, na Ásia e na América do Norte, até se mudarem mais para norte, à procura de regiões mais frias, e desaparecerem há dez mil anos. Schuster e os seus colegas utilizaram como material de base, para extrair o ADN, o pêlo de uma múmia de mamute com 20 mil anos e de outra com 60 mil, ambas da Sibéria. O ADN capilar apresenta duas vantagens em relação ao ADN dos ossos, que é o habitualmente disponível nos restos fósseis: resiste melhor às intempéries, “porque o invólucro do pêlo o protege como uma embalagem de plástico biológico”, explica um comunicado da universidade; e resiste melhor à contaminação pelo ADN de bactérias ou fungos, algo que pode fazer com que o ADN sequenciado nem sempre pertença ao animal e torna ainda mais árdua a autenticação dos genes.

Para ter uma base de comparação que lhes permitisse colocar o carimbo “mamute”, os cientistas recorreram a um ADN de referência: o rascunho já disponível do genoma do elefante africano, um dos parentes próximos – e vivos – do extinto mamute. Mas, mesmo assim, a origem de alguns dos fragmentos é incerta. A sua autenticidade está dependente da sequenciação definitiva do genoma do elefante, a ser concluída por cientistas do MIT e de Harvard. “Só quando estiver completo é que vamos poder fazer uma avaliação final quanto à quantidade de genoma de mamute que conseguimos sequenciar”, diz Miller no comunicado.

Entretanto, os cientistas já conseguiram obter algumas pistas acerca da história deste antigo elefante e dos seus parentes actuais. “Os nossos dados sugerem que divergiram há cerca de seis milhões de anos”, salienta Miller. Também concluem que os mamutes deram origem a dois grupos há dois milhões de anos, que formaram duas subpopulações na Sibéria e que apenas uma delas sobreviveu até há dez mil anos (a outra ter-se-á extinto há 45 mil). E mostram ainda que, entre os mamutes e os elefantes modernos, as diferenças genéticas são mais pequenas do que se pensava. “Ao contrário dos humanos e dos chimpanzés, que se separaram mais ou menos na mesma altura e que rapidamente deram origem a espécies diferentes – diz Schuster –, os mamutes e os elefantes evoluíram de forma mais gradual.”

Ressuscitar o mamute?

A diversidade genética entre mamutes também era bastante baixa – a tal ponto que os animais poderão ter sido excepcionalmente susceptíveis às doenças e às mudanças climáticas – e aos homens, que os caçavam. Mas doenças e clima, por si só, permitiriam explicar o fim da subpopulação que se extinguiu há 45 mil anos, uma vez que o homem nunca chegou a cruzar-se com ela e a exterminá-la (na altura não habitava a Sibéria), como poderá ter acontecido com a subpopulação que sobreviveu mais tempo. Uma parte do debate em torno da responsabilidade humana no fim do mamute poderá portanto estar resolvida. Os cientistas esperam também descobrir no antigo genoma as características genéticas capazes de dar conta da excepcional resistência dos mamutes ao frio extremo. “Esta é realmente a primeira vez que somos capazes de estudar um animal extinto com o mesmo nível de pormenor com que estudamos os animais do nosso tempo”, diz Schuster.

Uma coisa é certa: o trabalho agora publicado mostra que é mesmo possível sequenciar o ADN de espécies extintas. A próxima etapa nesta saga será a da sequenciação da totalidade do genoma do homem de Neandertal, extinto há uns 30 mil anos, que Svante Pääbo, do Instituto Max-Planck de Antropologia Evolutiva em Leipzig, na Alemanha, espera completar num futuro não muito longínquo (em Agosto, a equipa de Pääbo publicou a sequência do ADN mitocondrial daquele homem primitivo). Aí saber-se-á, finalmente, o que nos separa e nos aproxima desse homem pré-histórico.

Claro que a pergunta mais empolgante que surge em muitas cabeças é a seguinte: agora que temos o ADN podemos trazer os mamutes de volta? Seria quase como tornar realidade o parque jurássico de Michael Crichton. Nenhum dos especialistas interrogados por Henry Nicholls, num divertido artigo também publicado na Nature, recusa a ideia de que um dia seja possível ressuscitar o velho elefante lanudo.

Mas fazer um mamute a partir do seu ADN é muito difícil. “Para pôr carne nos ossos do rascunho de genoma”, escreve Nicholls, “seria preciso dominar, no mínimo, as seguintes etapas: definir quais vão ser os genes da nossa criatura, sintetizar os cromossomas a partir dessas sequências, colocá-los dentro de um invólucro nuclear adequado; transferir esse núcleo para um ovócito compatível [os de elefante, a escolha mais natural, são extremamente escassos]; e transferir o embrião resultante para um útero que o leve até ao termo”. Um caminho pejado de obstáculos que parecem intransponíveis. Sem esquecer que, no fim, vai ser preciso criar vários indivíduos para poderem reproduzir-se, introduzir neles alguma variação genética para não gerar apenas clones – e que, para mais, esses animais não serão mamutes totalmente autênticos, mas antes híbridos de mamute e elefante (no melhor dos casos). Outro problema, talvez tão delicado como todos os anteriores: introduzir os mamutes num habitat adequado sem gerar o caos ecológico.