Pode alguém ser quem não é?
Não, Wong Kar-Wai não foi à América fazer um filme americano (que é o que toda a gente diz). Wong Kar-wai foi à América filmar como podia ter ficado a filmar em Hong Kong ou ido a Paris ou a Lisboa, porque o seu cinema nunca foi tanto um cinema de sítios como um cinema de ambientes, atmosferas, emoções. E estas, no mundo rarefeito e etéreo do cineasta asiático, são exactamente as mesmas onde quer que se esteja, porque as transportamos connosco para onde quer que vamos. Não é outra a razão de ser do périplo de Elizabeth, a heroína nominal de "O Sabor do Amor", que atravessa os EUA quase de costa a costa para perceber que tudo o que precisa está na Nova Iorque de onde partiu.
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Não, Wong Kar-Wai não foi à América fazer um filme americano (que é o que toda a gente diz). Wong Kar-wai foi à América filmar como podia ter ficado a filmar em Hong Kong ou ido a Paris ou a Lisboa, porque o seu cinema nunca foi tanto um cinema de sítios como um cinema de ambientes, atmosferas, emoções. E estas, no mundo rarefeito e etéreo do cineasta asiático, são exactamente as mesmas onde quer que se esteja, porque as transportamos connosco para onde quer que vamos. Não é outra a razão de ser do périplo de Elizabeth, a heroína nominal de "O Sabor do Amor", que atravessa os EUA quase de costa a costa para perceber que tudo o que precisa está na Nova Iorque de onde partiu.
No fundo, no fundo, talvez Wong Kar-wai tenha tido de ir filmar aos EUA para perceber que é na Ásia que se sente melhor, o que torna "O Sabor do Amor" um objecto claramente menor na obra do cineasta numa espécie de momento de crescimento - como quem chegou a um limite com "2046" e muda de ares antes de partir para outra. Nada disto impede que seja um dos mais sumptuosos objectos formais que vamos ver em sala todo este ano: não há ninguém que filme como Wong, com este requinte, com este luxo, com este bom gosto, integrando toda a panóplia que identificamos como "americana" no seu universo como se sempre tivesse feito parte dele (lá está: o que ele encontra em Las Vegas, Memphis ou Nova Iorque não é nada que não estivesse já em Hong Kong). E todo o jogo de vidros, espelhos, néons, magistralmente fotografado por Darius Khondji, apenas sublinha como este é um filme sobre pessoas que estão a olhar de fora para a sua própria história, que querem ver a sua vida como uma narrativa (talvez o que de mais americano haja no filme).
O que falha, então? Precisamente a narrativa - o cinema de Wong é aberto, fluido, intangível, suspenso, mas em "O Sabor do Amor" há uma tentativa de "fecho" narrativo em choque com essa suspensão atmosférica. Nada que justifique chamarmos a "O Sabor do Amor" o desastre que muitos nele viram em Cannes 2007 (desde então, o realizador retrabalhou a montagem e encurtou o filme em cerca de 15 minutos); apenas um filme menor, mas um filme menor que tinha de existir.