Reportagem: quando amar se torna um vício

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Lara tem 36 anos e é advogada. O padrão comportamental dos seus parceiros amorosos foi sempre semelhante: “procurava o risco, a adrenalina e, por consequência, homens problemáticos que me pusessem à prova e me obrigassem a chegar aos meus limites.” Acabava sempre por abandonar esse tipo de relações porque a faziam sentir-se vazia. Há cerca de sete meses, envolveu-se com um homem mais calmo, mais presente, que, aparentemente, a ajudaria a inverter a tendência para o caos das últimas relações. “Não queria mais jogos perigosos”, confessa. O seu último parceiro tinha em excesso aquilo que faltava aos anteriores. “Era presente demais, como estava habituada a controlar tudo e a ter que correr atrás das coisas faltava-me o chão. Comecei a humilhá-lo e a criar situações de conflito. Senti que havia algo de errado comigo e resolvi procurar ajuda”.

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Lara tem 36 anos e é advogada. O padrão comportamental dos seus parceiros amorosos foi sempre semelhante: “procurava o risco, a adrenalina e, por consequência, homens problemáticos que me pusessem à prova e me obrigassem a chegar aos meus limites.” Acabava sempre por abandonar esse tipo de relações porque a faziam sentir-se vazia. Há cerca de sete meses, envolveu-se com um homem mais calmo, mais presente, que, aparentemente, a ajudaria a inverter a tendência para o caos das últimas relações. “Não queria mais jogos perigosos”, confessa. O seu último parceiro tinha em excesso aquilo que faltava aos anteriores. “Era presente demais, como estava habituada a controlar tudo e a ter que correr atrás das coisas faltava-me o chão. Comecei a humilhá-lo e a criar situações de conflito. Senti que havia algo de errado comigo e resolvi procurar ajuda”.

Depois de anos em psicólogos, recorreu ao MADA (Mulheres que Amam Demais Anónimas). Amar de forma errada também pode ser um problema. Lara decidiu assumi-lo. "Se sofres quando amas...Se amas o homem errado...Se amas de maneira errada...Se amas alguém emocionalmente distante... Procura-nos! MADA pode ajudar-te!". Estas são apenas algumas das muitas formas de amar erroneamente, inspiradas no livro de Robin Nonwood, “Mulheres que Amam Demais”, enunciadas no panfleto do grupo. O tom da escrita e os conselhos de auto-ajuda podem soar a seita religiosa. Mas não. O MADA é uma espécie de alcoólicos anónimos, onde o vício é não o álcool mas o amor.

O que é uma mulher que ama demais?

Madalena (nome fictício) foi quem trouxe o MADA para Portugal. Na casa dos quarenta, é uma veterana em grupos de auto-ajuda, depois de ter frequentado as Famílias Anónimas e os Coo Dependentes Anónimos, sentiu necessidade de um grupo com o qual se identificasse mais, tanto em problemas como em idade. Atenta ao MADA brasileiro, em Maio do ano passado, adaptou-o à realidade portuguesa e em Setembro do mesmo ano começaram as primeiras reuniões. Quando questionada sobre o que é uma mulher que ama demais Madalena diz não concordar com o nome do grupo: “considero o nome MADA bastante incorrecto, não é amar demais, é amar de uma forma doentia. Viver a vida mais virada para o outro do que para nós”. Segundo o psicoterapeuta Aníbal Henriques, “Mulheres que Amam Demais é um nome bonito que não estigmatiza, é um chapéu colorido e aberto que permite às pessoas escapar a patologias redutoras. Amar demasiado não existe, pode amar-se, sim, de forma desajustada ou desfavorável aos intervenientes”, conclui.

O perfil das mulheres que frequentam o MADA é variável. “Não têm necessariamente de ser vítimas de violência doméstica ou ter companheiros adictos. Podem ser mulheres com uma família normal mas que têm um sentimento obsessivo de posse para com o marido ou os filhos”, explica Madalena. As reuniões são fechadas e totalmente anónimas. Não existem conselhos e a ajuda procura-se nas histórias de outras mulheres. “Eu revejo-me no caso ao meu lado e isso ajuda-me a assumir e a entender o meu próprio problema. Cada um fala de si sem comentar a situação alheia”, clarifica.

Para Aníbal Henriques, os grupos de auto-ajuda são muito importantes numa primeira fase, chamada de reconhecimento e partilha do problema, mas dificilmente levam a uma alteração efectiva de algumas situações mais complexas. “A mudança implica muitas vezes uma concorrência de factores que nem mesmo a psicoterapia, com todos os seus instrumentos desenvolvidos ao longo de mais de cem anos, pode garantir.” “Desde que o grupo de auto-ajuda não prometa mudanças que não está em condições de oferecer, poderá ser muito benéfico porque permite problematizar temas relevantes sem a chancela estigmatizante da psiquiatria. Todos estamos sujeitos a crenças relacionais de que não temos consciência e é necessário identificar e desactivar estes processos mentais para que se possa falar num processo de mudança ou ‘cura’”, explica o psicoterapeuta.

Reaprender a viver

Uma característica comum a todas estas mulheres é a necessidade de controlar os outros e de acharem que têm o poder para modificá-los, refere uma nota informativa do grupo. Madalena viveu com um alcoólico e programava a vida do companheiro para que as recaídas não fossem sucessivas. Anulou-se em função de uma vida que não era a sua. “Mesmo sabendo que ele tinha hepatite C tive relações desprotegidas. Ele nunca me mentiu, mas é como se mais nada interessasse, a minha vida não era importante, não tinha valor”, recorda. Só desde que frequenta o MADA, conseguiu assumir os seus comportamentos de risco. “Tomei coragem e fui fazer análises para ver se estava tudo bem”.

Lara e Madalena têm um passado familiar atribulado. “O meu pai era violento vivia em discussões permanentes. Tive uma juventude rebelde em que gostava de coisas que me dessem adrenalina”, recorda Madalena. Desde pequena Lara também foi habituada a situações de conflito “onde tudo resolvia a gritar”. ”A tendência é que a pessoa repita esses comportamentos”, explica Lara. O caos e a violência passaram a ser o seu porto de abrigo. Já não sabia viver de outra forma. Afinal, foi nesse ambiente que começou a dar os primeiros passos que, mais tarde, se traduziram no único caminho sobre o qual se sentia segura para andar.

Lara compara a sua actual postura perante a vida à de um bebé: “É como se durante grande parte da vida tivesse usado umas lentes de cor que não me deixavam ver o mundo. Agora sou como um bebé que está a aprender a andar, a comer. Estou a reaprender a viver. Tudo de novo”.

”Um tango delicado”

“Estamos todos sujeitos a ideias pré-concebidas e mesmo inconscientes da relação que queremos colocar em prática. O equilíbrio consiste em ir ao encontro do outro, sem o perder nem me perder a mim próprio”, afirma Aníbal Henriques ao tentar explicar o que poderá estar na origem deste tipo de comportamentos compulsivos. “É um tango delicado. Dançar de forma agradável para o outro sem o pisar não é nada fácil”, metaforiza o psicoterapeuta.

Tanto Lara como Madalena têm uma atitude positiva face às transformações que as reuniões semanais do MADA estão a causar nas suas vidas. Contudo, Aníbal Henriques afirma que algumas perturbações associadas a este tipo de queixas relacionais podem durar a vida toda ou décadas, dependendo de diferentes variáveis como a presença ou ausência de outros problemas, a estabilidade familiar e contextos sociais, amorosos e relacionais de cada indivíduo. Contudo, deixa a ressalva: “nem sempre podemos falar em doença até porque todos, em algum momento da nossa vida, ‘amamos demais’, amamos de forma errada, queremos receber do outro não o que este nos dá mas o que necessitamos receber. É uma condição inerente às relações humanas”.

Lara nega envolvimentos futuros, “pelo menos nos próximos tempos”. Madalena, sozinha durante três anos, tem um novo namorado, “ele é diferente”, afirma. Há quanto tempo namora? “Há menos de um mês”, antecipa-se Lara com um sorriso ao mesmo tempo que partilha um olhar cúmplice com Madalena. No grupo não há conselhos, nem troca de ideias, apenas desabafos. Mas na vida real as coisas são diferentes e aquele sorriso quis dizer muito.

(Ver edição da Pública de 16 de Março)Grupo MADA Lisboa

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