Reclusas sem visitas íntimas a menos que o marido esteja preso
A mãe telefona todos os dias. Os filhos "começam a ficar saturados de andar a correr para o mesmo sítio". M.C., o marido, também começa a acusar cansaço. Da primeira vez, a mulher "apanhou cinco anos por tráfico de droga, cumpriu três". Desta vez, soma cinco aos dois de que se livrara. Estivesse ele preso, podia haver visita conjugal; como está ela, já não.
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A mãe telefona todos os dias. Os filhos "começam a ficar saturados de andar a correr para o mesmo sítio". M.C., o marido, também começa a acusar cansaço. Da primeira vez, a mulher "apanhou cinco anos por tráfico de droga, cumpriu três". Desta vez, soma cinco aos dois de que se livrara. Estivesse ele preso, podia haver visita conjugal; como está ela, já não.
As "visitas íntimas" ainda não chegaram aos estabelecimentos prisionais femininos. Estes encontros privados, mensais, com uma duração média de três horas, funcionam no Funchal (14 reclusos), em Vale de Judeus (77), na Carregueira (62), em Paços de Ferreira (19) e em Monsanto (cinco). As reclusas só delas beneficiam se o seu companheiro estiver detido. É como se só eles tivessem imperativo sexual.
Pela primeira vez, pelo menos desde que a medida foi introduzida em Portugal, a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais é encabeçada por uma mulher. E Clara Albino, empossada o mês passado, está a analisar este dossier.
A Comissão dos Direitos da Mulher e da Igualdade dos Géneros instou ontem "cada estados-membros da União Europeia a integrar a dimensão da igualdade entre homens e mulheres na sua política penitenciária e nos seus centros de detenção, bem como a ter em maior consideração as especificidades ligadas ao género". Num relatório, elaborado por Marie Panayotopoulos-Cassiotou a propósito do Dia Internacional da Mulher que amanhã se assinala, indica algumas pistas para alcançar tais objectivos.
O documento sugere que se crie "em cada estado uma comissão de estudo e sistemas de mediação permanente para uma vigilância efectiva das condições de internamento", isto para se "detectar e corrigir os factores de discriminação que ainda afectam as mulheres no sistema penitenciário". Propõe ainda que se invoque, "nos debates locais, regionais e nacionais, as necessidades" destas mulheres, "a fim de promover medidas positivas em matéria de recursos sociais, habitação, formação".
Aquele organismo do Parlamento Europeu recomenda "o recurso acrescido às penas de substituição da reclusão, como alternativas alicerçadas na sociedade, em especial para as mães". Insiste mesmo "na necessidade de a administração judiciária se informar sobre a existência de filhos antes da decisão de prisão preventiva, ou, aquando da condenação, e de se assegurar que foram adoptadas medidas para preservar todos os seus direitos".
A comissão reclama também programas próprios para toxicodependentes. "Apenas quatro países (França, Portugal, Eslováquia e Suécia) dispõem de projectos específicos orientados em função do género para as reclusas toxicodependentes", enfatiza.
Como se impõe uma formação isenta de estereótipos de género, Portugal merece uma menção positiva por ser um dos países que promovem oportunidades de formação a nível superior e de formação vocacional às mulheres reclusas.
Portugal continua a figurar, no relatório da Comissão dos Direitos da Mulher e da Igualdade de Géneros, como um dos países da União Europeia com maior taxa de reclusão feminina. O peso das mulheres tem, todavia, vindo a cair.
Os últimos dados da Direcção--Geral dos Serviços Prisionais são de 1 de Março e indicam que a população prisional portuguesa se compõe de 751 mulheres e de 10.434 homens. Feitas as contas, o país apresenta uma taxa de reclusão feminina de 6,7 por cento. A página electrónica daquele organismo estatal oferece dados desde 1999. Uma breve consulta revela que havia 858 reclusas a 31 de Dezembro de 1999 e que o número subiu até atingir um pico de 1127 em 2003. Desde 2004 parece ter iniciado um quebra: 980 em 2004, 939 em 2005, 885 em 2006.
A população prisional feminina homogeneizou-se ao longo da década de 90. Chegam quase todas "por droga". Os estudos indiciam que o mercado da droga não desdenha delas, como alguns sectores laborais. Elas entram, muitas vezes, em redes de vizinhos e de parentes. Algumas "apanham por tabela" - são apenas cúmplices dos filhos ou companheiros.