A Bússola Dourada: O mundo é um lugar estranho

O filme de 2007 adapta a premiada obra de Philip Pullman com Daniel Craig e Nicole Kidman nos principais papéis.

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New Line Cinema

E A Bússola Dourada surge na esteira de uma mão-cheia de projectos cinematográficos alicerçados na fantasia, como O Senhor dos Anéis, Harry Potter, As Crónicas de Narnia, Ponte para Terabithia ou Beowulf. Os filmes de fantasia que roçam espadas com a ficção científica e o público juvenil são uma tradição, mas estão na primeira linha desde que Peter Jackson exerceu o seu toque de Midas e que J.K. Rowling emprestou o seu Harry Potter ao cinema.

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E A Bússola Dourada surge na esteira de uma mão-cheia de projectos cinematográficos alicerçados na fantasia, como O Senhor dos Anéis, Harry Potter, As Crónicas de Narnia, Ponte para Terabithia ou Beowulf. Os filmes de fantasia que roçam espadas com a ficção científica e o público juvenil são uma tradição, mas estão na primeira linha desde que Peter Jackson exerceu o seu toque de Midas e que J.K. Rowling emprestou o seu Harry Potter ao cinema.

Pergunte-se então a Chris Weitz, realizador e responsável pela adaptação da trilogia Mundos Paralelos, se não está preocupado com uma possível saturação do público perante o eterno regresso anual do cinema de fantasia. “Agora estou!”, ri-se Weitz numa mesa redonda com jornalistas em Londres. “Não temo isso porque penso que o filme que fizemos é sobretudo sobre pessoas. Acho que haverá uma reacção contra filmes que dependem muito dos efeitos especiais e não da narrativa ou de personagens interessantes”, argumenta, mais sério.

Ainda assim, e sabendo-se que o orçamento rondou os 200 milhões de dólares (136 milhões de euros), menos de metade dos quais foi para os habituais efeitos CGI, a verdade é que A Bússola Dourada está carregada de efeitos especiais. Sim, foram para a Suíça filmar em glaciares e estiveram em Oxford, mas também recriaram ursos polares e uma Londres “steampunk” em computador - a imagética do filme é uma fusão entre elementos de há dois ou três séculos com funções mais contemporâneas.

Tanto Eva Green (que aparece apenas em três cenas como a bruxa Serafina Pekkala) quanto Dakota Blue Richards, a estreante de 12 anos, admitiram que filmar perante um ecrã verde é “aborrecido”. Dakota fala de um plano em que viaja numa carruagem e vê Londres pela janela. “Mas não via nada, era um ecrã verde e nem era uma carruagem, era uma caixa verde sem uma janela por onde olhar. Foi muito frustrante”, confessou aos jornalistas sob o olhar atento da mãe, que lhe leu os três livros de Pullman quando tinha nove anos.

Espírito selvagem

Dakota é uma protagonista ruiva de olhar expressivo e foi escolhida entre dez mil outras miúdas. “Ela não era a rapariga mais arranjadinha, não tinha maquilhagem e não era tão polida, mas tinha aquela qualidade muito particular: ser selvagem em espírito”, recorda Weitz. “Sempre adorei a Lyra”, diz Dakota sobre a menina sem pais que vive no Colégio Jordan, em Oxford, rodeada de académicos e sempre acompanhada por Pantalaimon, o seu génio ("daemon” no original, uma manifestação da alma que Pullman atribui a humanos e bruxas nos seus livros).

Esta primeira parte da história da trilogia “Mundos Paralelos” arranca com o desaparecimento de um amigo de Lyra às mãos dos Gobblers, um misterioso grupo ligado ao mais tenebroso Magisterium - é uma organização-espelho de uma igreja controladora, contra a qual o tio de Lyra, Lord Asriel (Daniel Craig), está a trabalhar. Entra depois em cena a sedutora e dúplice Sra. Coulter (Nicole Kidman), que toma Lyra sob a sua protecção, à medida que os elementos místicos se avolumam.

Há um aparelho mágico, o aletiómetro (que dá, por associação imagética a uma bússola e nada mais do que isso, o nome ao filme), há partículas elementares (o enigmático Pó), ursos falantes e passagens para outros mundos, feitos das escolhas que não fizemos e das opções que deixámos para trás.

Bênção na rodagem

Philip Pullman criou livros que misturam conceitos da física, da psicologia, da religião e da história e de bom grado os cedeu para adaptação no cinema, com Nicole Kidman em mente desde que escreveu a personagem da Sra. Coulter. “Ele escreveu-lhe para lhe dizer que estava a pensar nela quando estava a escrever”, revela o realizador, e isso convenceu a actriz a participar no filme.

A presença de Pullman em alguns momentos da rodagem foi como uma bênção ao trabalho de Weitz, que estudou em Cambridge como Pullman e que há quatro anos apresentou à New Line uma ideia do que deviam ser os filmes. O estúdio, que já procurava um sucessor para a trilogia milionária de O Senhor dos Anéis, aceitou-a. Mas Chris Weitz, nomeado para um Óscar pela adaptação do livro About a Boy, de Nick Hornby, desistiu. “Tive medo (risos), porque foi óbvio que o elemento de efeitos visuais nisto seria gigantesco, e na altura não tinha qualquer experiência nessa área. E também seria um horário de filmagens muito mais longo e exigente do que qualquer outro.” O segundo e terceiro filmes, A Torre dos Anjos e O Telescópio de Âmbar, deverão ser filmados em simultâneo se este filme correr bem à New Line.

Voltou ao projecto depois de ter aprendido mais sobre CGI e de ter casado, mantendo um contacto constante com Pullman. “Fui ter com ele como fã dos livros”, e sim, “tinha de adaptar o argumento senão não acreditaria no que estava a fazer”. “Ele foi muito gracioso quanto à condensação dos elementos do livro no filme”.

A polémica religiosa

Condensar é aqui a palavra-chave. A Bússola Dourada não é um épico de longuíssima duração como o seu antecessor made by Tolkien, e Weitz admitiu aos jornalistas que “gostava que fosse mais longo” porque a multiplicidade de localizações da acção torna o filme uma viagem por vezes demasiado rápida. “A nossa principal preocupação foi impelir a história o mais para a frente possível. Tem havido uma má tendência de fazer filmes mais longos para que sejam importantes e tentei evitar isso.”

E depois há a questão religiosa. O filme está rodeado de polémica vinda de dois lados. Por um lado, a organização americana Catholic League, que apela ao boicote do filme que “denigre o cristianismo”. Por outro, os fãs que ficaram assustados quando Weitz revelou, em 2004, que ia diluir algumas das questões religiosas em prol da subtileza (não se fala em igreja no filme, mas apenas do Magisterium, por exemplo). “A minha reacção aos protestos é de tristeza, porque vêm de pessoas que não viram o filme e que não se ligaram às ideias muito subtis e elaboradas dos livros. Não acho que “Mundos Paralelos” seja uma série de livros anti-cristãos. Acho que Pullman não gosta de dogmas e de religião usada para fins políticos, mas não acho que isso seja terrivelmente controverso.” E os fãs, pergunta o Ipsílon? “Sei que (os elementos religiosos) não foram diluídos e que só foram comprometidos superficialmente”. Diz compreender a posição dos leitores mais acérrimos, mas também que “há algumas pessoas que querem empurrar estes livros para uma guerra cultural”.

Daniel Craig não perde a boa disposição quando se toca neste tópico. Considera que o livro levanta uma discussão saudável e não pensa que o filme seja “anti-religioso”, mas sim que “levanta muitas questões sobre como se abusa da fé e como ela é usada como arma contra o livre arbítrio. Não é um filme anti-católico, é um filme anti-establishment e adoro histórias anti-establishment. Acho que a igreja, seja ela qual for, precisa sempre de questões, de questionamento. E acho que a igreja católica tem umas costas suficientemente largas para lidar com isto. Hão-de estar a vender este livro no Vaticano no próximo ano”, ri-se.

Portanto, e apesar de ter uma criança como protagonista, esta não é uma história meramente infantil. Mas as crianças às vezes fazem perguntas muito interessantes. O Ipsílon perguntou a Dakota Richards sobre a presença de Pullman no “set” e que tipo de dicas deu à nova Lyra. “Ele falava-me sobre algumas das cenas e eu fazia-lhe perguntas. E fiz-lhe uma pergunta sobre o livro à qual ele não soube responder. “Como é que os génios nascem?” Porque os bebés nascem mas de onde vem o seu génio? Ele disse que nunca teve de pensar nisso porque nunca escreveu sobre isso.”