Ao sol da meia-noite
Economia, laconismo, aversão à retórica (inclusive visual), eis um punhado de características do cinema do finlandês que "Luzes no Crepúsculo" exibe paroxisticamente - e que melhor para o simbolizar do que o extraordinário derradeiro plano (duas mãos que se dão), curtíssimo (dois segundos? menos? Talvez não haja outro "plano final" tão curto) "dénouement" sem "dénouement", remate pudico para um filme que trabalha sempre em contenção de emoções.
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Economia, laconismo, aversão à retórica (inclusive visual), eis um punhado de características do cinema do finlandês que "Luzes no Crepúsculo" exibe paroxisticamente - e que melhor para o simbolizar do que o extraordinário derradeiro plano (duas mãos que se dão), curtíssimo (dois segundos? menos? Talvez não haja outro "plano final" tão curto) "dénouement" sem "dénouement", remate pudico para um filme que trabalha sempre em contenção de emoções.
Como nos outros filmes da trilogia, estamos nas "costas" da Finlândia próspera. O protagonista é Koistinen, um jovem empregado de uma empresa de segurança que tem "projectos" e quer estabelecer-se como empresário em nome próprio. Mas falta-lhe o "pedigree" para passar no filtro de acesso à prosperidade. Servirá então, ingénua e apaixonadamente, de joguete para os "projectos" de outrém, numa intriga embrulhada em longínquos e arrefecidíssimos ecos de "film noir", a que nem falta uma "vamp".
Kaurismaki filma magnificamente (e a fotografia de Timo Salminen é como sempre belíssima e, em definitivo, já existe uma luz- Kaurismaki) uma Helsínquia transformada em "não-lugar", nocturna e asséptica, numa reverberação desumana. O espaço urbano é tratado como expressão de uma "mobilidade social" impossível - e Koistinen é um homem dos subterrâneos, dos descampados e dos baldios, das roulottes de comes e bebes. E serão estes a ampará-lo na sua queda e a acolhê-lo, em corolário do resignado pessimismo social de Kaurismaki. Claro que um deserto social também é um deserto humano - e resta pouca humanidade nesta Helsínquia brilhante e abastada. Os seus lampejos vêm sempre dos deserdados, como nos apontamentos com o miúdo negro e o cão (um cão tão bressoniano como buñueliano), duas cenas que nos fazem lembrar o encontro de Jão César Monteiro, em "Vai e Vem", com outro miúdo e outro cão.
Em surdina corre um melodrama, elíptico e combalido, alimentado a canções finlandesas (tangos, quase sempre) tristíssimas. As personagens não precisam de palavras para dizerem os seus sentimentos, como no plano da rapariga da "roulotte" que se segue à revelação de Koistinen de que foi "jantar com a namorada". Ao sol da meia-noite, quando tudo parece perdido e Koistinen é um homem sem passado e sem presente, há uma mão que oferece uma vaga promessa de futuro. E está dádiva é das coisas mais bonitas que vimos nos últimos tempos.