Take 2
"Em Paris" queria trabalhar o espectador em termos de intensidade emocional e conseguia fazê-lo, de modo tão eficaz que a própria eficácia se tornava intrigante. Já não seremos surpreendidos - da mesma maneira, pelo menos - com "As Canções de Amor". É uma espécie de variação, prolongamento, "take 2", sobre "Em Paris". Reencontramos uma presença muito física e muito palpável da cidade, e uma geografia precisa (a zona Bastilha/Republique), com o sol de Dezembro de "Em Paris" a ser substituído por uma chuva e um cinzento outonais. E se as situações narrativas são diferentes, conduzemnos aos mesmos temas: uma experiência do luto (agora um luto propriamente dito e não apenas em sentido figurado) e um olhar sobre personagens em situação de encruzilhada emocional (há um trio, uma alegre "ménage à trois" que se desfaz de maneira trágica, e seguimos fundamentalmente o pólo masculino do trio, Louis Garrel, a debater-se com o desgosto e com a tristeza).
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"Em Paris" queria trabalhar o espectador em termos de intensidade emocional e conseguia fazê-lo, de modo tão eficaz que a própria eficácia se tornava intrigante. Já não seremos surpreendidos - da mesma maneira, pelo menos - com "As Canções de Amor". É uma espécie de variação, prolongamento, "take 2", sobre "Em Paris". Reencontramos uma presença muito física e muito palpável da cidade, e uma geografia precisa (a zona Bastilha/Republique), com o sol de Dezembro de "Em Paris" a ser substituído por uma chuva e um cinzento outonais. E se as situações narrativas são diferentes, conduzemnos aos mesmos temas: uma experiência do luto (agora um luto propriamente dito e não apenas em sentido figurado) e um olhar sobre personagens em situação de encruzilhada emocional (há um trio, uma alegre "ménage à trois" que se desfaz de maneira trágica, e seguimos fundamentalmente o pólo masculino do trio, Louis Garrel, a debater-se com o desgosto e com a tristeza).
Grande "twist" em relação a "Em Paris": as canções, as "canções de amor". O filme está cheio delas, em modelo de cinema musical a seguir a "pista Demy" (quer dizer que as canções se incorporam na narrativa em vez de a pararem, comentando-a ou avançando-a, muitas vezes servindo de "diálogo cantado"). Seguir esse trilho parece a grande aposta de Honoré, como que expandindo a cena do telefonema cantado de "Em Paris". Ora, essa cena era uma das tais em que o filme se "rasgava" de alto a baixo. A raridade, ou seja, o facto de só haver uma cena dessas (o "karaoke" de Romain Duris com Kim Wilde era de outra ordem), contribuía para o seu poder. Temos a sensação de que, aqui, a multiplicação das canções tem um efeito de indiferença - como se elas se "matassem" umas às outras, quer como procedimento quer como contribuição emocional.
Talvez paradoxalmente num filme chamado "As Canções de Amor", são as canções o elo mais fraco. Mas que isso não nos cegue. Algum do misterioso poder de "Em Paris" é integralmente transportado. Descobrimo-nos comovidos com o desamparo das personagens, no modo como (Garrel especialmente) a dor as transforma em animais simultaneamente acossados e enjaulados, na espécie de corriqueiras "marivaudages" nocturnas que descobrem como saída para os seus labirintos interiores. Não seremos nós a subestimar isso.