Boa ideia, mau filme
Mas ainda não é desta. Podemos louvar as boas intenções o mais que quisermos que isso não safa "Julgamento" de ser condenado sem apelo nem agravo. E não é culpa dos actores - pobre Henrique Viana, que teve aqui o seu último papel no cinema e a quem o filme é dedicado; pobre Alexandra Lencastre, que consegue o milagre de dar espessura a uma das personagens mais improváveis do cinema português; pobres Carlos Santos e José Eduardo, que mereciam melhor filme para o seu empenho.
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Mas ainda não é desta. Podemos louvar as boas intenções o mais que quisermos que isso não safa "Julgamento" de ser condenado sem apelo nem agravo. E não é culpa dos actores - pobre Henrique Viana, que teve aqui o seu último papel no cinema e a quem o filme é dedicado; pobre Alexandra Lencastre, que consegue o milagre de dar espessura a uma das personagens mais improváveis do cinema português; pobres Carlos Santos e José Eduardo, que mereciam melhor filme para o seu empenho.
É mesmo culpa, primeiro, de um guião que tem nas mãos um ponto de partida estimulante e o deixa fugir numa série de desenvolvimentos por demais telenovelísticos. Um escritor e professor universitário reconhece num homem que está a ser julgado por um acidente de automóvel o inspector da PIDE que o torturou e que foi responsável pela morte de um amigo e rapta-o para o obrigar a confessar a verdade. O feitiço volta-se contra o feiticeiro, o torcionário dá por si a ser torturado como ele próprio torturou em tempos, e os antigos revolucionários idealistas dão por si a questionar se foi para isto que se fez a revolução.
No momento em que Guantánamo e Abu Ghraib colocaram estas questões no centro de um debate global, é ousado e interessante pegar nestas questões no âmbito de um filme de grande público, ainda por cima num país que ainda não explorou a fundo a sua memória do século XX. Ou melhor: seria ousado, mas não é, porque não se explora essa súbita inversão, que fica quase sempre implícita por entre implausibilidades mais ou menos preocupantes e personagens insuficientemente desenvolvidas cujos tiques parecem existir apenas por conveniência narrativa.
O que "Julgamento" acaba por ser é a história de um "ajuste de contas" em que dois homens bons decidem fazer justiça por conta própria (ou vingança?), sem saberem muito bem no que se estão a meter - uma espécie de "Justiceiro da Noite" à portuguesa, envergonhado e desastrado, que nunca avança para lá de um maniqueísmo displicente, com a agravante da encenação segura e aparatosa de Leonel Vieira parecer desajustada à fotografia dessaturada de José António Loureiro (em que a luz do presente surge matizada pelo preto e branco do passado) e a um guião que pede claustrofobia e tensão. Se quisermos, é o problema de se querer filmar "à cinema" uma história que está demasiado escrita "à televisão".
Resultado: claustrofobia nem vê-la, tensão ainda menos, e tudo se arrasta de modo maçador, sublinhado pela partitura bombástica de Nuno Maló, tão desajustada do filme como tudo o resto de que aqui falámos. Uma oportunidade, mais do que perdida, completamente desbaratada.