A Idade da Pedra: de quem eram estas ferramentas, do homem ou do macaco?

Foto
DR (arquivo)

O enredo é sempre o mesmo. Prometheus, um extraterrestre, desembarca na Terra pré-histórica com a intenção de ensinar a Bob, um homem das cavernas, uma série de tecnologias humanas muito avançadas - como a pesca, a pintura, o "bowling", o uso da sanita, etc. - e regista metodicamente os progressos de Bob com a sua câmara de vídeo. Só que Bob é mesmo limitado e nunca percebe o que deve fazer, esgotando todas as reservas de paciência de Prometheus. Para maior irritação do ET, anda por ali um macaco que é muito melhor aluno do que o burro do Bob...

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

O enredo é sempre o mesmo. Prometheus, um extraterrestre, desembarca na Terra pré-histórica com a intenção de ensinar a Bob, um homem das cavernas, uma série de tecnologias humanas muito avançadas - como a pesca, a pintura, o "bowling", o uso da sanita, etc. - e regista metodicamente os progressos de Bob com a sua câmara de vídeo. Só que Bob é mesmo limitado e nunca percebe o que deve fazer, esgotando todas as reservas de paciência de Prometheus. Para maior irritação do ET, anda por ali um macaco que é muito melhor aluno do que o burro do Bob...

Ao contrário do que podem sugerir as curtas-metragens de animação da hilariante série televisiva "The Prometheus and Bob Tapes" do canal Nickelodeon, os macacos de outrora não eram certamente mais espertos do que os homens pré-históricos. Mas é sabido que os chimpanzés de hoje utilizam tecnologias, transmitidas de geração em geração, como a palhinha para fazer sair as térmitas do seu ninho ou as pedras para partir cascas.

A tecnologia dos macacos

Até aqui, porém, era possível afirmar que os macacos tinham aprendido estas técnicas através da observação e imitação de comportamentos humanos. Agora, pela primeira vez, uma equipa de cientistas encontrou provas de que, já na pré-história, os macacos terão possuído tecnologia própria.

Julio Mercader é um dos raros arqueólogos no mundo que estuda a "cultura material" dos grandes símios. Há uns anos, este investigador da Universidade de Calgary (Canadá) descobriu, na floresta tropical Taï, na Costa do Marfim, um local onde os chimpanzés tinham em tempos partido nozes. E no ano passado encontrou, nessa mesma escavação, verdadeiros "martelos" de pedra, com padrões de desgaste que correspondem à sua utilização como ferramenta de percussão. Segundo foi agora determinado, essas ferramentas datam de há 4300 anos - ou seja, são de uma época em que não havia ainda qualquer presença humana naquela parte da floresta tropical africana.

Pesadas para mão humana

Juntamente com uma equipa de investigadores da Alemanha, Reino Unido, Estados Unidos e Canadá, Mercader dedicou estes últimos meses, além de datar as pedras, a demonstrar cuidadosamente que as ferramentas primitivas em causa não podiam de maneira alguma ter sido de uso humano, mas que tinham sido escolhidas e usadas exclusivamente por macacos. Os resultados que estes cientistas obtiveram - e que foram publicados ontem na revista norte-americana "Proceedings of the National Academy of Sciences" (PNAS) - parecem confirmar esta hipótese.

As pedras encontradas têm tamanhos e formas adequadas ao tamanho da mão e à força de um chimpanzé, mas são demasiado grandes e pesadas para a mão humana. Outra indicação que vai no mesmo sentido é que certos resíduos de amido encontrados incrustados nas pedras correspondem a nozes com que os chimpanzés, mas não os humanos, se alimentavam. Para mais, as pedras são de granito, enquanto os homens primitivos preferiam outro tipo de materiais, como o quartzo, para este tipo de utilização.

Para Mercader, os achados provam que não foram os homens primitivos que inventaram esta tecnologia de "percussão" e que a transferiram para os macacos. "Como não havia agricultores a viver nessa região há 4300 anos", diz o cientista, citado por um comunicado da Universidade de Calgary, "é pouco provável que os chimpanzés a tenham apanhado imitando os habitantes das aldeias, que é o que alguns cientistas costumavam afirmar".

Terão os chimpanzés desenvolvido a tecnologia ao mesmo tempo que os homens, mas em paralelo, independentemente deles? Mercader e os seus colegas também não acreditam muito nesta hipótese, favorecendo uma terceira: eles acham que tanto os chimpanzés como os homens primitivos herdaram o hábito de utilizar pedras como ferramentas de um antepassado comum, ainda mais antigo. "A cultura material dos chimpanzés tem uma longa pré-história, cujas raízes profundas começam apenas a ser desvendadas", escrevem os cientistas no PNAS.