Feito o mapa mais detalhado da matéria invisível no Universo

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O trabalho da equipa de Richard Massey permite compreender melhor como a matéria está ordenada pelo Universo NASA (arquivo)

Enquanto os ossos humanos podem ficar expostos em qualquer radiografia, os telescópios mais poderosos não conseguem ver directamente os ossos do cosmos. No entanto, os cientistas estão a contornar essa dificuldade e a fazer mapas da matéria que não se vê: os mais pormenorizados foram revelados ontem, na edição "on-line" da revista "Nature".

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Enquanto os ossos humanos podem ficar expostos em qualquer radiografia, os telescópios mais poderosos não conseguem ver directamente os ossos do cosmos. No entanto, os cientistas estão a contornar essa dificuldade e a fazer mapas da matéria que não se vê: os mais pormenorizados foram revelados ontem, na edição "on-line" da revista "Nature".

Os cientistas já não duvidam de que a matéria escura existe, apesar de não emitir nem reflectir a luz. Sabem que está lá pelos efeitos gravitacionais que causa na matéria que vemos - afecta a rotação das galáxias e distorce a luz que emitem.

Utilizando o telescópio espacial Hubble, a equipa de Richard Massey (do Instituto de Tecnologia da Califórnia, nos Estados Unidos) começou por medir a forma de 500 mil galáxias distantes. Depois, os cientistas usaram a distorção na luz emitida por elas, causada tanto pela matéria visível como pela invisível, para elaborar mapas da distribuição da matéria escura entre essas galáxias e a Terra, numa grande área do céu (o equivalente a oito vezes o tamanho ocupado pela Lua Cheia).

"Se um fotão vem de uma dessas galáxias e atravessa essa rede de matéria escura, a sua trajectória é distorcida. Tem uma trajectória às ondinhas, ligeiramente irregular", explica Domingos Barbosa, do Instituto Superior Técnico, em Lisboa. O cosmólogo português acrescenta que, em galáxias distantes, como as que foram observadas, é mais difícil detectar o efeito de distorções da luz pela matéria do que em exames de galáxias.

Mesmo assim, o resultado foi o atlas mais detalhado dos ossos do Universo, e não só. "Conseguiram também reconstituir a distribuição da matéria escura em três dimensões entre nós e essas galáxias, no campo do céu que observaram. E é a primeira vez que se faz isso", comenta.

Há uma razão para se dizer que a matéria escura é o esqueleto do Universo, e não é só porque não está à vista. Oitenta por cento da matéria é escura, distribuída pelo Universo em enormes filamentos. E são eles que agregam a matéria visível, ou bariónica, como os físicos chamam à matéria normal.

"Descobriram que a matéria invisível está agrupada em enormes filamentos e em bolas, mais ou menos conectados com outras regiões com matéria escura e bariónica. A matéria escura funciona como um esqueleto gravitacional, para onde a matéria bariónica acaba por ser atraída", explica Domingos Barbosa. "É um esqueleto invisível, à volta do qual a matéria normal vai cair e formar essa carne de estrelas e galáxias."

Assim, o trabalho da equipa de Richard Massey permite compreender melhor como a matéria está ordenada pelo Universo, sublinha o investigador português.

Mas ninguém sabe de que é feita a matéria escura, que terá surgido pouco depois do Big Bang, o fenómeno que criou, há 13.700 milhões de anos, o Universo que conhecemos. Aliás, os mapas apresentados pela equipa de Richard Massey mostram a distribuição da matéria até à altura em que o Universo tinha metade da idade actual. A escola de pensamento dominante defende que a matéria escura é exótica, logo totalmente diferente da matéria vulgar. "O mais plausível - diz também Domingos Barbosa - é que seja feita de uma partícula exótica."