Failing Songs
Não que os Third Eye Foundation não fossem interessantes e que neles o homem não revelasse já uma certa tendência para a intensidade. Mas faltava-lhe a capacidade de criar um universo ébrio, doloroso, capaz tanto de se acoitar nos cueiros da melancolia antes de desbastar muros de cimento à cabeçada. Mais ou menos o que, de novo e como sempre, faz em "Failing Songs". Antes de mais: acertado título. Em "Mess We Made" (2003), disco de estreia a solo, Elliott começava a afastar-se do mundo da electrónica. Havia um pequeno universo aquático a despontar: o fantasma de Robert Wyatt, o Robert Wyatt de "Rock Bottom", surgia por ali, em canções de apneia, que, de súbito, eram rompidas, assaltadas por vagas de batidas. A electrónica funcionava cada vez mais como elemento destruidor, servia para realçar a violência em potência em cada canção. Dois anos depois, "Drinking Songs" (2005) definia com mais exactidão o universo: a electrónica era quase inexistente – surgia apenas na última faixa, a espantosa "The made we messed”, arroubo de estertores em que batidas em peleja se digladiavam até a música se tornar fumo. Alguma das canções remetiam para o universo da música coral, as letras eram reduzidas a pequenas frases de dor ou expiação. As melodias? Readequações de lenga-lengas de marinheiros, repescadas a temas de exaltação do mar e da bebida. Sabiamente Elliott escondia essa carta na manga e criava um requiem para um mundo desfeito em água – canções para cantar à medida do esvaziar do copo. Canções para cantar enquanto a morte for lembrada – o disco era inspirado na tragédia do submarino Kursk. "Failing songs" será, então, o aprofundamento do percurso, a delimitação total: a instrumentação é agora exclusivamente acústica, o imaginário está mais que definido, o da perda e da bebida, com âncoras melódicas tanto nos requiem russos como em canções de marinheiros (canções de morte, entenda-se) e em alguma música coral. Piaff podia bem cantar algumas destas orações – da mesma forma que não é difícil imaginar a contagem dos mortos num romance do Gogol ao dom de "Failing songs". "Our weight in oil" tem guitarra acústica, piano, algo de russo no tom de pele (e na funda tristeza), coro desalinhado e um violino que conheceu demasiada morte. Como reacção a entrada de "Chains" é perfeita: entrada abrasiva de um acorde menor de guitarra eléctrica, a voz ébria e arrastada de Elliott, martírio de cordas em fundo. Vai acabar com Elliott a cantar "We're free to do exactly what we're told". Qualquer hipótese de redenção, no entanto, é posta de parte na lenta e valseada amargura de "Desamparado". E será assim até ao fim. É possível aventar que obra assim não é feita por um tipo radioso. Mas enfim, basta ligar a televisão para perceber que já há falsa alegria a mais no mundo. Falhar, que raios, também há-de ser belo.
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Não que os Third Eye Foundation não fossem interessantes e que neles o homem não revelasse já uma certa tendência para a intensidade. Mas faltava-lhe a capacidade de criar um universo ébrio, doloroso, capaz tanto de se acoitar nos cueiros da melancolia antes de desbastar muros de cimento à cabeçada. Mais ou menos o que, de novo e como sempre, faz em "Failing Songs". Antes de mais: acertado título. Em "Mess We Made" (2003), disco de estreia a solo, Elliott começava a afastar-se do mundo da electrónica. Havia um pequeno universo aquático a despontar: o fantasma de Robert Wyatt, o Robert Wyatt de "Rock Bottom", surgia por ali, em canções de apneia, que, de súbito, eram rompidas, assaltadas por vagas de batidas. A electrónica funcionava cada vez mais como elemento destruidor, servia para realçar a violência em potência em cada canção. Dois anos depois, "Drinking Songs" (2005) definia com mais exactidão o universo: a electrónica era quase inexistente – surgia apenas na última faixa, a espantosa "The made we messed”, arroubo de estertores em que batidas em peleja se digladiavam até a música se tornar fumo. Alguma das canções remetiam para o universo da música coral, as letras eram reduzidas a pequenas frases de dor ou expiação. As melodias? Readequações de lenga-lengas de marinheiros, repescadas a temas de exaltação do mar e da bebida. Sabiamente Elliott escondia essa carta na manga e criava um requiem para um mundo desfeito em água – canções para cantar à medida do esvaziar do copo. Canções para cantar enquanto a morte for lembrada – o disco era inspirado na tragédia do submarino Kursk. "Failing songs" será, então, o aprofundamento do percurso, a delimitação total: a instrumentação é agora exclusivamente acústica, o imaginário está mais que definido, o da perda e da bebida, com âncoras melódicas tanto nos requiem russos como em canções de marinheiros (canções de morte, entenda-se) e em alguma música coral. Piaff podia bem cantar algumas destas orações – da mesma forma que não é difícil imaginar a contagem dos mortos num romance do Gogol ao dom de "Failing songs". "Our weight in oil" tem guitarra acústica, piano, algo de russo no tom de pele (e na funda tristeza), coro desalinhado e um violino que conheceu demasiada morte. Como reacção a entrada de "Chains" é perfeita: entrada abrasiva de um acorde menor de guitarra eléctrica, a voz ébria e arrastada de Elliott, martírio de cordas em fundo. Vai acabar com Elliott a cantar "We're free to do exactly what we're told". Qualquer hipótese de redenção, no entanto, é posta de parte na lenta e valseada amargura de "Desamparado". E será assim até ao fim. É possível aventar que obra assim não é feita por um tipo radioso. Mas enfim, basta ligar a televisão para perceber que já há falsa alegria a mais no mundo. Falhar, que raios, também há-de ser belo.