Terrenos polémicos de Marvila vendidos por mais do dobro do que foram comprados
A compra de duas das cinco parcelas adquiridas directa e indirectamente à SNS pela Obriverca (que depois as passou à Lismarvila), no âmbito do processo de falência que ainda corre em tribunal, foi feita pelo Fundolis, um fundo de investimento imobiliário fechado gerido pela Fundimo, da Caixa Geral de Depósitos.
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A compra de duas das cinco parcelas adquiridas directa e indirectamente à SNS pela Obriverca (que depois as passou à Lismarvila), no âmbito do processo de falência que ainda corre em tribunal, foi feita pelo Fundolis, um fundo de investimento imobiliário fechado gerido pela Fundimo, da Caixa Geral de Depósitos.
De acordo com a informação fornecida à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários pela Fundimo, o total das parcelas compradas ocupa a área de 106.420 metros quadrados - precisamente a área ocupada pelo polémico projecto de lotamento que a Câmara de Lisboa aprovou e revogou nas últimas semanas -, sendo que as cinco adquiridas pela Obriverca e pela Lismarvila à SNB e a uma sua antiga participada totalizam 176.021 m2.
Sem entrar nos detalhes das áreas e parcelas vendidas, Eduardo Rodrigues, o presidente da Lismarvila e patrão da Obriverca, confirmou ontem o negócio ao PÚBLICO, mas garantiu que "a empresa não teve lucro nenhum com a operação". Segundo o empresário, o custo inicial dos terrenos "rondou os 6,5 milhões de contos", embora as escrituras indiquem 5 milhões e 257 mil contos (26,2 milhões de euros), mas "os custos reais, incluindo juros, demolições, projectos e outras despesas andam pelos 60 milhões de euros". A ser assim, a empresa teria tido mesmo um prejuízo de 3,5 milhões de euros. [O PÚBLICO não confrontou Eduardo Rodrigues com o facto de a venda ao Fundolis incidir apenas sobre 60 por cento dos terrenos, uma vez que ainda não dispunha desse dado quando o contactou.]
A enorme valorização dos terrenos conseguida em cerca de cinco anos pela Lismarvila foi concretizada num momento em que a Câmara de Lisboa ainda estava a apreciar o projecto de loteamento que incide sobre um total de 106.420 m2 (embora a proposta camarária refira 111.273), mas quando já tinha sido aprovada a alteração simplificada ao Plano Director Municipal, datada de Março de 2004, que, no entender da maioria camarária, permitiu a sua aprovação inicial. A revogação da semana passada decorreu de um parecer desfavorável da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional, relacionado com o traçado dos acessos à futura ponte Chelas-Barreiro e com o traçado do TGV.
Fundimo tem tido contactos com espanhóisÀ data da compra dos terrenos, Março passado, ainda não havia nenhuma garantia definitiva da aprovação do loteamento, mas o presidente da Fundimo, Filipe Amado, disse ontem que "havia uma expectativa considerada como firme" de que isso viesse a acontecer. O gestor, que se escusou a revelar a identidade dos principais detentores do Fundolis, não quis desvendar a estratégia traçada para reagir ao indeferimento do projecto, limitando-se a afirmar: "Neste momento as coisas ainda estão muito frescas, estamos a estudar o problema, mas tudo faremos na defesa dos participantes do fundo." Eduardo Rodrigues, que confirmou o facto de a Fundimo ter estado recentemente em negociações com promotores espanhóis interessados no projecto de Marvila, garantiu que, apesar de ter vendido os terrenos, não se considera alheio à inviabilização do loteamento. "Somos pessoas de bem e vamos dar a cara até ao fim neste processo. Na prática estamos fora deste assunto, mas temos a obrigação moral de tratar dele até ao fim", afirmou.
Quanto às garantias de que dispunha quando decidiu adquirir as parcelas em 1999, o empresário diz que elas eram totais. "Quando comprámos, o liquidatário da SNS garantiu-nos que já havia uma edificabilidade aprovada pela câmara e a Caixa Geral de Depósitos, que financiou a operação, não o faria em caso contrário."
Apesar disso, o primeiro pedido de loteamento apresentado à câmara pela Lismarvila foi indeferido em 2003 - antes de o projecto ter sido assumido pelo arquitecto Filipe Jorge, sócio do director municipal de gestão urbanística, Pires Marques, que anteontem pediu a suspensão das suas funções. As condições que teoricamente permitiriam o seu deferimento acabaram por só ser criadas com a alteração simplificada ao PDM de Março de 2004 que, em determinadas condições de excepção reconhecidas pela câmara, permite fazer loteamentos em áreas industriais, como é o caso.