Milhares de infracções detectadas pela ASAE sem condenações
A situação de estrangulamento dos processos foi confirmada ao PÚBLICO pela presidente da entidade decisória, a Comissão de Aplicação de Coimas em Matéria Económica e Publicidade (CACMEP). Isabel Sesifredo prevê que o número de processos acumulados para decidir atinja os 10 mil até ao final deste ano.
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A situação de estrangulamento dos processos foi confirmada ao PÚBLICO pela presidente da entidade decisória, a Comissão de Aplicação de Coimas em Matéria Económica e Publicidade (CACMEP). Isabel Sesifredo prevê que o número de processos acumulados para decidir atinja os 10 mil até ao final deste ano.
Há um ano, o Governo criou a ASAE, extinguindo a Inspecção-Geral das Actividades Económicas e a Direcção-Geral de Fiscalização e Controlo da Qualidade Alimentar. Foi atribuída à ASAE a competência de fiscalizar e de fazer a instrução dos processos. E continuou a ser da responsabilidade da CACMEP aplicar as coimas dessas infracções, tal como já acontecia anteriormente.
A CACMEP é presidida por um juiz e constituída por dois vogais, um representante da Inspecção-Geral das Actividades Económicas, o outro da Direcção-Geral de Fiscalização e Controlo da Qualidade Alimentar.
Com a extinção destas duas entidades, a Comissão perdeu os dois vogais. Como só pode deliberar em colectivo, a comissão está impedida de proferir acórdãos, ou seja, de aplicar coimas aos infractores. As únicas multas que entraram este ano na comissão referem-se a pagamentos voluntários feitos pelos infractores.
Isabel Sesifredo diz aguardar para o final deste ano a publicação da lei orgânica da CACMEP, que designará novos vogais para a comissão. "Até lá apenas poderemos proferir despachos de mero expediente, não tendo sido proferida qualquer condenação", escreveu em resposta ao PÚBLICO.
A juíza-presidente confirma que se têm acumulado bastantes processos para decisão. Actualmente são oito mil e espera-se que este ano o "número ultrapasse os 10 mil", excluindo os casos relativos à fiscalização da publicidade, a cargo do Instituto do Consumidor.
Os processos acumulados referem-se a contra-ordenações (e exclui os crimes) e não apresentam risco imediato de ficar sem efeito, já que o prazo de prescrição é, em média, de três anos.
Muitos dos casos são relativos à área alimentar, que anteriormente estava sob a alçada da Direcção-Geral de Fiscalização e Controlo da Qualidade Alimentar, entidade a quem competia inspeccionar, instruir os processos e aplicar as coimas.
A impossibilidade de proferir acórdãos está também a impedir a entrada de receitas no valor de pelo menos seis milhões de euros, montante cobrado em 2005 e que este ano seria certamente muito mais expressivo, já que o volume de processos também é maior.
As únicas receitas que entraram este ano são relativas às coimas pagas voluntariamente, perto de dois milhões de euros (ver quadro nestas páginas).
Apesar de o total de casos ter aumentado com a entrada em funcionamento da ASAE, o quadro de pessoal da comissão não foi alterado e é manifestamente pequeno: dois juristas, oito oficiais de justiça e quatro funcionários administrativos.
"Comissão funcionará a todo o vapor"Contactada pelo PÚBLICO, a assessora de imprensa do Ministério da Economia e Inovação (MEI), Lurdes Sousa, disse que a situação decorre do PRACE (Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado). Segundo Lurdes de Sousa, concluiu-se que não valia a pena nomear os dois vogais da comissão quando estaria prestes a ser publicada a lei orgânica do ministério que tutela o organismo. Só que nada foi publicado no último ano. A lei orgânica do MEI irá ser aprovada no próximo Conselho de Ministros e vai provocar alterações na forma de composição da CACMEP, deixando de ser presidida por um juiz, segundo a assessora de imprensa. O MEI acredita que em breve a "comissão funcionará a todo o vapor, agora tem um juiz em part-time e vai passar a ter um presidente a tempo inteiro", afirmou Lurdes de Sousa, que não dispunha de informações sobre a forma de colmatar a falta de pessoal da comissão.
Manuel Lage, do gabinete de comunicação da ASAE, reconhece que a situação de atraso pode levar a alguns operadores a pensar que não vão pagar as coimas, mas rejeita que isso possa vir a acontecer dado o prazo de prescrição. Assegura, no entanto, que a demora na cobrança das coimas não tem reflexos na actuação da ASAE.
Desde que entrou em funcionamento, no início deste ano, a intervenção da ASAE tem sido assumidamente a de publicitar as suas fiscalizações, ao contrário da antiga Inspecção-Geral das Actividades Económicas, muito mais discreta.
O estrangulamento dos processos e a demora em cobrar as coimas aos prevaricadores questiona o espírito da criação da ASAE que nasceu para tornar mais eficaz o controlo de bens alimentares e serviços.
No diploma que criou a ASAE, é assumido que a dispersão de competências na área do controlo oficial dos géneros alimentícios tinha uma "eficácia desejável".
O objectivo assumido do novo organismo era o de "eliminar deficiências e desadequações nas rotinas implantadas, permitindo passar para o consumidor uma mensagem clara de que se abre um novo ciclo ao nível da eficácia".