Genoma dos neandertais mostra que não são nossos avós
E a história que conta é que eles não são nossos avós — ou, se neandertais e homens modernos, a nossa espécie, fizeram sexo, isso acabou por ter pouca influência no genoma humano.
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E a história que conta é que eles não são nossos avós — ou, se neandertais e homens modernos, a nossa espécie, fizeram sexo, isso acabou por ter pouca influência no genoma humano.
Não é a primeira vez que se obtém e analisa ADN de neandertais. A estreia foi em 1997, quando a equipa de Svante Pääbo (do Instituto Max Planck para a Antropologia da Evolução, na Alemanha) reduziu a pó uma secção de 3,5 gramas do úmero de um Neandertal. Eram amostras do primeiro Neandertal descoberto em 1856, no vale (Tal, em alemão) de Neander, perto de Düsseldorf, na Alemanha.
Essas amostras eram apenas de ADN das mitocôndrias, estruturas responsáveis pela produção de energia celular, que se encontram fora do núcleo das células (é no núcleo que está o grosso da informação genética, mas é mais fácil recuperar ADN mitocondrial antigo).
Tantos os resultados das análises do “primeiro” Neandertal, como de outros 11 indivíduos (encontrados na Alemanha, Rússia, Croácia, Bélgica, França, Itália e Espanha), deram sempre muita discussão. “Não havia provas de contribuição genética para os humanos modernos”, recordou Pääbo, numa conferência de imprensa para apresentação das novas análises.
Havia que recuperar o precioso ADN do núcleo e analisá-lo. É o que a equipa de Pääbo anuncia agora na revista Nature.
Testaram ossos e dentes de mais de 70 Neandertais encontrados na Europa e Ásia ocidental, à procura de amostras que não estivessem contaminadas por ADN de humanos modernos. Obtiveram-nas do fóssil com 38 mil anos, descoberto em 1980 na gruta de Vindija, na Croácia.
Seguros de que era um bom espécime para os testes, os cientistas extraíram uma amostra maior e partilharam-na com a equipa de Edward Rubin, do Instituto do Genoma do Departamento de Energia dos EUA, que assina o artigo da Science.
As equipas lançaram-se na recuperação de ADN da amostra, tarefa difícil por o material antigo estar muito fragmentado, e na determinação da sequência em que surgem as quatro letras do alfabeto genético (A de adenina, T de timina, C de citosina, e G de guanina).
Avanços nas técnicas de sequenciação permitiram ao grupo de Pääbo recuperar mais de um milhão de pares de bases, como se chamam às letras emparelhadas do ADN, já que o A anda sempre com o T e o C com o G. Tal como o genoma do homem moderno, o dos neandertais deverá ter 3000 milhões de pares de bases, por isso este trabalho é o início de uma tarefa ambiciosa, que é a sequenciação da molécula inteira. E o grupo de Rubin obteve mais de 65 mil pares de bases do núcleo, com um método diferente.
Fizeram comparações com os genomas do chimpanzé, que serviu de referência, e o dos humanos modernos, incluindo um catálogo de semelhanças e diferenças genéticas da nossa espécie. Uma das conclusões é que o genoma dos neandertais é muito idêntico ao do homem moderno. Assemelham-se em 99,5 por cento, senão mesmo em 99,9 por cento, referiu Rubin na conferência conjunta que deu com Pääbo nos Estados Unidos. Afinal, ambos pertencem ao género Homo.
Nalgumas coisas todos concordam: já não existem neandertais, os últimos desapareceram há 28 mil anos na Península Ibérica, depois de os dois tipos de homens terem coexistido milhares de anos na Europa. Os homens modernos vieram de África, e espalharam-se por todo o planeta.
O que divide tantos os cientistas? Uns consideram que os neandertais têm de ter transmitido os seus genes aos humanos modernos. Portanto, fazem parte dos nossos antepassados. Como são os hominídeos extintos mais parecidos connosco, é o mesmo que dizer que são nossos avós, e para isso neandertais e humanos modernos tiveram de fazer amor.
Para outros, os humanos modernos chegaram à Europa vindos de África, há cerca de 40 mil anos, e simplesmente dizimaram os neandertais. Para este cientistas, fizeram guerra e não amor.
“Embora não possamos concluir definitivamente que não ocorreu reprodução entre as duas espécies de humanos, a análise ao ADN nuclear neandertal sugere que é pouco provável ter sucedido com um nível apreciável”, afirmou Rubin, citado num comunicado. “Não excluímos a possibilidade de uma mistura genética modesta”, acrescentou Jonathan Pritchard, da Universidade de Chicago.
Mas, a haver mistura, nem foi como poderia pensar-se: “Há indicação de que o fluxo genético foi do homem moderno para o Neandertal, e não o contrário, em que toda a gente está interessada”, disse Pääbo na conferência.
Genoma completo daqui a dois anosTambém se estimou o tempo em que neandertais e modernos se separavam, do ponto de vista evolutivo, com as conclusões a encontrarem uma sobreposição. Para equipa de Rubin, separaram-se entre há 120 mil e 670 mil anos, com a melhor estimativa a apontar para os 400 mil anos. Para a equipa de Pääbo, a separação deu-se entre há 465 mil a 569 mil anos, apostando nos 500 mil anos. “Quando tivermos mais dados, isto clarificar-se-á”, disse Pääbo.
O que está em causa é quando é que neandertais e modernos deixaram de fazer sexo e seguiram caminhos evolutivos diferentes. “Deixaram de fazê-lo há 400 mil anos”, respondeu Rubin. Mas se as diferenças de menos de 0,5 por cento chegaram para que neandertais e os modernos não se reproduzissem entre si, é algo que Pääbo não pode responder. “Não há maneira de saber [só com estes dados].”
Nos próximos dois anos, os cientistas planeiam ter o primeiro rascunho de todo o genoma do Neandertal. “Estes artigos mostram que é possível ter o genoma completo”, sublinhou Pääbo.
“Nunca traremos de volta o Neandertal, mas poderemos comparar o seu genoma com o nosso”, completou Rubin. “Poderemos aprender sobre a sua biologia e outros aspectos que nunca aprenderíamos se olhássemos só para os ossos e os artefactos.” O desafio é ver as pequenas diferenças entre eles e nós.