Os amigos de Rudy
Mas, desses todos, o mais próximo de Clark é Michael Cuesta, realizador cuja estreia na longa-metragem com o provocante "L. I. E. - Sem Saída" (2001) desenhava um retrato de um adolescente suburbano à deriva que constrói uma relação de pai substituto com um ex-militar pedófilo. Cuesta agarrava o touro pelos cornos, abordando abertamente o tabu sem dele fazer o eixo central da sua narrativa, mais interessada na confusão de adolescentes deixados à solta sem modelos de comportamento que os ajudem a tomar decisões nos momentos difíceis. "Aos Doze e Tantos", segundo filme de Cuesta, encerrou o IndieLisboa 2006 há alguns meses e chega agora às salas. Confirma o realizador como um cronista atento da adolescência suburbana, multiplicando por três a confusão que permeava o herói de "L. I. E." e arrancando o filme com o trauma que vai marcar três miúdos de 12 anos: a morte acidental de um quarto num incêndio começado por um dos rufiões da escola para destruir uma casa de árvore onde os quatro brincavam. A morte de Rudy vai forçar os três sobreviventes a quererem crescer sem estarem preparados por isso e a confrontarem os pais - ou, no caso, as mães - ausentes que não os acompanham nem os compreendem verdadeiramente.
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Mas, desses todos, o mais próximo de Clark é Michael Cuesta, realizador cuja estreia na longa-metragem com o provocante "L. I. E. - Sem Saída" (2001) desenhava um retrato de um adolescente suburbano à deriva que constrói uma relação de pai substituto com um ex-militar pedófilo. Cuesta agarrava o touro pelos cornos, abordando abertamente o tabu sem dele fazer o eixo central da sua narrativa, mais interessada na confusão de adolescentes deixados à solta sem modelos de comportamento que os ajudem a tomar decisões nos momentos difíceis. "Aos Doze e Tantos", segundo filme de Cuesta, encerrou o IndieLisboa 2006 há alguns meses e chega agora às salas. Confirma o realizador como um cronista atento da adolescência suburbana, multiplicando por três a confusão que permeava o herói de "L. I. E." e arrancando o filme com o trauma que vai marcar três miúdos de 12 anos: a morte acidental de um quarto num incêndio começado por um dos rufiões da escola para destruir uma casa de árvore onde os quatro brincavam. A morte de Rudy vai forçar os três sobreviventes a quererem crescer sem estarem preparados por isso e a confrontarem os pais - ou, no caso, as mães - ausentes que não os acompanham nem os compreendem verdadeiramente.
Jacob, o irmão gémeo do miúdo falecido, refugia-se no desejo de vingança sobre os rufiões, sublimando a raiva da mãe para quem a pena de morte seria o único castigo possível para o acidente. Leonard, que caiu da árvore e não pôde salvar Rudy, perdeu o olfacto e o paladar e entra em dieta para perder o peso excessivo, entrando em conflito com a mãe que não percebe de onde apareceu a mania da saúde. Malee, a única miúda do grupo, decide-se a seduzir um dos pacientes da mãe psiquiatra que a educou sozinha. (É, aliás, curioso o papel das mães no cinema de Cuesta - ausente fisicamente em "L. I. E.", onde o pai era viúvo, a mãe é aqui uma figura ambígua que parece não estar atenta aos sinais que rodeiam o filho). Três miúdos que dizem "olhem para mim, estou aqui, percebam-me" - e que o fazem de modo que quase se diria radical.
Michael Cuesta volta a fazer o jogo da tangente ao tabu mas também a baralhar as fronteiras morais da questão: não é Gus quem quer dormir com Malee, é esta que tem um fraquinho por ele e se imagina a sua alma gémea; Jacob ameaça repetidamente o rufia Kenny com uma morte horrível quando sair do reformatório, como se fosse um gangster adulto em busca de vingança; os pais de Leonard não conseguem perceber porque raio o filho não quer continuar a ser gordo, como se a obesidade fosse a normalidade.
Inteligentemente, tudo é filmado e mostrado ao nível dos miúdos, para quem o mundo adulto é algo de imperscrutável, incompreensível. O que falta a "Aos Doze e Tantos"- e já faltava em "L. I. E." - é uma capacidade de dar um fecho ao filme que não tombe excessivamente na convenção do "final feliz" ou da resolução de todas as pontas soltas de maneira certinha, ou um qualquer rasgo que o eleve acima da concorrência "indie" americana contemporânea em modo excêntrico. A rodagem em digital com câmara à mão já não chega, a abordagem do tabu adolescente também não; é evidente que é redutor limitar "Aos Doze e Tantos" a isso, e, tal como o seu predecessor, é um objecto intrigante, perturbante, extremamente sensível na inteligência com que aborda assuntos difíceis sem recuar. No entanto, fica a sensação de que Michael Cuesta terá falhado um grande filme por um quase nada que se mantém enfurecedoramente distante.