Cavaco Silva vence à primeira volta e deixa a esquerda destroçada

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Uma vantagem escassa de votos garantiu a Cavaco Silva um lugar em Belém logo à primeira volta Inácio Rosa/Lusa

Uma vantagem escassa de votos garantiu-lhe um lugar em Belém logo à primeira volta, mas nem por isso os resultados de ontem deixam de traduzir uma pesada derrota para a esquerda, em particular para o PS, que viu Mário Soares, o candidato oficial do partido, a ser ultrapassado pelo “rebelde” Manuel Alegre.

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Uma vantagem escassa de votos garantiu-lhe um lugar em Belém logo à primeira volta, mas nem por isso os resultados de ontem deixam de traduzir uma pesada derrota para a esquerda, em particular para o PS, que viu Mário Soares, o candidato oficial do partido, a ser ultrapassado pelo “rebelde” Manuel Alegre.

À esquerda da esquerda, Jerónimo segurou o eleitorado do PCP, relegando Francisco Louçã e o Bloco de Esquerda para um modesto penúltimo lugar. Atrás só ficou mesmo Garcia Pereira, do MRPP.

Conseguindo 2.745.491 dos votos expressos (50,59 por cento), Cavaco Silva tornar-se-á no Presidente da República eleito pela diferença mais estreita em comparação com os seus antecessores: somados os votos dos cinco candidatos de esquerda, obtém-se um score de 2.681.353, ou seja, Cavaco conseguiu pouco mais de 64 mil votos do que os seus adversários. Dados tanto mais interessantes se se recuar no tempo e se se analisar os resultados de anteriores eleições presidenciais. Em 1986, na segunda volta, Mário Soares conseguiu mais 130 mil votos do que Freitas do Amaral. E, no duelo entre Jorge Sampaio e Cavaco, em 1991, a diferença foi ainda mais ampla: mais de 400 mil votos.

Na contabilidade final, estão ainda por apurar duas freguesias onde ontem se registaram boicotes eleitorais, bem como os votos da emigração, cujo processo deverá ficar fechado entre hoje e amanhã. Tanto num caso como noutro, no entanto, os resultados não terão peso suficiente para alterar o desfecho eleitoral.

A vitória de Cavaco Silva à primeira volta foi, assim, arrebatada à pele, mas exprime o efeito de uma onda que varreu o país. Dos 18 distritos do continente, mais Açores e Madeira, só Beja escapou para Jerónimo de Sousa, o candidato apoiado pelo PCP, mas por escassas décimas. Nos dois maiores distritos do país, Cavaco ficou acima da média nacional no Porto (51,5 por cento) e uns furos abaixo em Lisboa, onde conseguiu 44 por cento. Em termos distritais, Bragança deu-lhe a maior vitória (67 por cento), enquanto, a nível concelhio, foi em Alvaiázere que esmagou, chegando aos 84 por cento dos votos.

A solo, mais uma vez, o suprapartidário Cavaco quis ontem partilhar o triunfo, agradecendo o apoio dos líderes do PSD e do CDS-PP, Marques Mendes e Ribeiro e Castro, avisando depois que a maioria que elegeu se dissolvia naquele exacto momento. “A eleição presidencial termina aqui, é um capítulo que seencerra”, disse. Momentos antes, o líder do PSD assumia o papel do colaborador orgulhoso que ajudou a construir “a ambição”. “O mérito é de Cavaco Silva”, sublinhou. Na TVI, António Borges prometia que Cavaco iria ser “o melhor apoiante do primeiro-ministro”, defendendo que “o PSD tem três anos para se preparar”. Aparentemente, a tranquilidade instalou-se entre os sociais-democratas. Mais arrojado foi Ribeiro e Castro. O líder do CDS-PP puxou para o seu partido os ganhos eleitorais, declarando que “o CDS honra-se de ter contribuído para a maioria presidencial”. O que pode ser visto como uma advertência para os seus adversários internos, que criticaram o apoio incondicional a Cavaco.

Se, à direita, as águas parecem, para já, tranquilas, a esquerda sai destas eleições dilacerada por uma derrota que atingiu em cheio o PS. Os resultados acabaram por ditar o pior dos cenários para José Sócrates, o líder que escolheu Mário Soares e que ignorou o rebelde Manuel Alegre. Sendo embora uma pesada derrota pessoal para Soares, o facto de Manuel Alegre ter ficado em segundo lugar, com 20,72 por cento dos votos, bastante à frente dos 14,34 por cento conseguidos pelo candidato oficial do partido, representa uma fortíssima penalização para Sócrates. A eurodeputada e dirigente nacional Ana Gomes propõe outra interpretação: “É uma derrota da esquerda e, dentro da esquerda, é uma derrota do PS. Quererei que se faça a análise deste resultado e a quem cabem as responsabilidades”, afirmou, ajuizando que “Manuel Alegre não deveria estar muito alegre com a derrota da esquerda”. A convocação de um congresso extraordinário pairou na noite eleitoral, mas José Sócrates quis travar investidas. “O congresso do PS será na data em que está marcado”, decretou, rejeitando conclusões políticas sobre a avaliação do Governo. Quanto ao mais, elegeu “a estabilidade, lealdade e bom espírito de cooperação institucional” como lema.

Os despojos da fractura estão, todavia, ainda por medir. Manuel Alegre exaltou “o movimento cívico” que impulsionou a sua candidatura. “O objectivo (passar a uma segunda volta) não foi atingido por décimas, mas fica o exemplo do poder dos cidadãos (...). Trata-se de um acto pioneiro que pode abrir novos caminhos para a superação da crise da democracia representativa”, defendeu.

Do lado do PCP, vieram acusações e avisos sérios ao PS. Fortalecido mais uma vez nestas eleições, Jerónimo, que obteve 8,6 por cento dos votos, culpou directamente os socialistas pela vitória de Cavaco, erguendo as políticas de Sócrates como o algoz do desaire. Antes, já Francisco Louçã, que alcançou 5,3 por cento, apontara “o desemprego, a crise social, a falta de esperança”, como os factores que levaram ao desastre da esquerda. Com 0,4 por cento dos votos, Garcia Pereira não podia ser mais duro. Para ele, José Sócrates pagou o preço da “tentativa golpística e antidemocrática da imposição da candidatura de Mário Soares”. E toda a esquerda perdeu.