Violência doméstica matou 33 mulheres desde o início do ano
Foram alvejadas a pistola ou caçadeira, golpeadas com faca ou machado, mortas à vassourada, à paulada, ao murro ou pontapé. Desde o início do ano, 29 mulheres foram assassinadas por maridos, namorados ou ex-companheiros, mais quatro por familiares. Hoje é Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres.
O sistema legal tipifica o homicídio em função da gravidade e do dolo (simples, qualificado, privilegiado, negligente e tentado). As estatísticas oficiais não atendem às relações existentes entre a vítima e o agressor. "É preciso que a estatística faça este caminho", considera Elza Pais, presidente da Comissão Nacional para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres (CIDM).
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O sistema legal tipifica o homicídio em função da gravidade e do dolo (simples, qualificado, privilegiado, negligente e tentado). As estatísticas oficiais não atendem às relações existentes entre a vítima e o agressor. "É preciso que a estatística faça este caminho", considera Elza Pais, presidente da Comissão Nacional para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres (CIDM).
Os levantamentos feitos a partir da imprensa - como o que a União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) divulgou ontem e que o PÚBLICO cruzou com a sua própria lista - acusam "fragilidades". Não só porque nem todos os casos chegam à imprensa nacional, mas também porque alguns homicídios noticiados como tentados podem acabar por se tornar consumados.
O ano passado, a UMAR coligiu 47 casos. Já este ano, acrescentou-lhe dois que tinham ocorrido nos Açores e outros dois que passaram de tentados a consumados, explica a dirigente Maria José Magalhães. Falta cruzar informações com a polícia.
"O país ainda não tem um observatório da violência, que é o que a Estrutura de Missão Contra a Violência Doméstica está a tentar criar", lamenta Elza Pais, lembrando que tomou posse há quatro meses. O organismo deverá nascer "em 2006".
Para já, há apenas um inventário que pode pecar por defeito. E que mostra que, em Portugal, o problema assume maiores proporções do que em Espanha, país que se mobilizou contra o "terrorismo doméstico", frisa Maria José Magalhães. Em Espanha, desde o início do ano, contabilizaram-se 56 vítimas de "violência machista".
As contas são fáceis de fazer: Portugal tem 10 milhões de habitantes e o país vizinho mais de 40 milhões. Elza Pais reporta-se aos números do ano passado (Espanha somou 72) para frisar que "quatro vezes 50 não é 70 nem 80". E o número nacional torna-se mais "terrífico" olhando às tentativas noticiadas, que este ano foram "bem mais do que o ano passado", torna Maria José Magalhães.
"Fiz um estudo sobre homicídio conjugal em Portugal [tendo por amostra os detidos nas cadeias portuguesas em 1994] e deparei-me com um universo muito significativo: 15 por cento dos homicídios eram conjugais", recorda a presidente da CIDM. E muitos crimes desta natureza não chegam às cadeias - são homicídios-suicídios.
Homicídio é tipicamente um crime de homensO homicídio é tipicamente um crime praticado por homens contra homens, sublinha Carlos Farinha, director nacional adjunto da Polícia Judiciária. O sexo feminino só assume maior relevância no quadro das relações íntimas ou familiares.
A delegação do Porto do Instituto de Medicina Legal (IML) fez uma revisão dos homicídios praticados no distrito nos últimos 20 anos (ver texto na página ao lado). A análise dos casos para os quais há informação social permitiu perceber que, no contexto intrafamiliar, 81,6 por cento das mulheres foram mortas pelos maridos, namorados, companheiros, ex-namorados ou ex-companheiros. Já os homens eram quase todos vítimas de outros homens.
Os dados do IML só são válidos para o Porto. Não diferem, no entanto, dos que Elza Pais encontrou para o todo nacional em meados da década de 90: "Oitenta e três por cento dos homicídios conjugais eram [praticados por] homens sobre mulheres".
Há o homicídio ruptura-abandono, o homicídio posse-ciúme, o homicídio maus tratos continuados. Este último, "ou assume a autoria masculina e corresponde a um excesso de maus tratos ou assume a autoria feminina e corresponde a uma incapacidade de continuar a sofrer", explica Carlos Farinha.
Para Elza Pais, a violência doméstica é fundamentalmente "uma questão de desigualdade de género, de desrespeito, de não-partilha da vida". E "quando a mulher decide abandonar a relação ou denunciar a agressão, corre mais riscos". É "aí que se devem reforçar os mecanismos de apoio", nota, mencionando os avanços feitos, nos últimos anos, dentro da PSP e da GNR para responder a esse desafio.
Pontualmente, há situações de ofensa à integridade física agravada sobre ascendentes ou descendentes. Entre os homicídios noticiados este ano, há duas crianças mortas depois do pai ter morto a mãe. Há também um rapaz morto ao defender a mãe das agressões do padrasto. E uma mulher morta ao defender a irmã da ex-companheiro.
As mortes no seio das relações íntimas ocorrem em todo o país. A diferença, refere Elza Pais, "é que nas zonas urbanas as mulheres têm outra sociabilidade, reagem mais cedo; nas rurais os homicídios conjugais ocorrem em mulheres com mais idade". Apesar desta diferença, os serviços de informação e acompanhamento a vítimas de violência doméstica estão centrados no litoral urbano.