Atropelamentos com fuga mais do que duplicaram em 2004

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Na maioria dos casos, o abandono do local do acidente está ligado a outras transgressões Carlos Lopes/PÚBLICO

Na grande maioria dos casos, a fuga do condutor do local do acidente deve-se ao facto de estar a cometer outras transgressões, como a falta de carta, seguro, consumo de álcool ou drogas. É esta a opinião de especialistas e assumida pela DGV, embora não haja estudos sobre o fenómeno.

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Na grande maioria dos casos, a fuga do condutor do local do acidente deve-se ao facto de estar a cometer outras transgressões, como a falta de carta, seguro, consumo de álcool ou drogas. É esta a opinião de especialistas e assumida pela DGV, embora não haja estudos sobre o fenómeno.

Em 2004, registaram-se 508 casos de atropelamento em que condutor não esperou pelas autoridades ou pela ambulância para se identificar. Em 2003, este número foi de 208.

No total de atropelamentos graves com fuga, oito vítimas morreram, menos seis do que no ano anterior. A tendência inversa aconteceu nos feridos graves, que quase duplicaram face a 2003, e nos feridos leves (um agravamento de 62,3 por cento).

Nos primeiros sete meses desde ano já morreram cinco pessoas na sequência de atropelamentos com fuga, mais uma vítima face ao mesmo período do ano passado. O número de feridos graves (um total de 11) desceu e os feridos leves (206) também.

No total, o número de atropelamentos com vítimas em que houve fuga representa 8,1 por cento do total de acidentes com peões e animais.

As novas categorias inseridas no ano passado pela DGV no modelo de recolha de informação do acidente pela polícia permitiram obter dados estatísticos sobre a fuga em colisões e despistes. Entre Janeiro e Julho deste ano, foram registadas 208 colisões (mais 53 do que em igual período de 2004) em que um dos condutores se ausentou do local, quatro das quais resultaram em mortos. Mesmo em situação de despiste, foram registados 46 casos em que houve fuga do motorista.

Para Manuel João Ramos, da Associação dos Cidadãos Auto-Mobilizados (ACA-M), o crescimento do número de condutores que abandonam o local do acidente está relacionado com outras infracções. "Há também um aumento de pessoas sem carta e sem seguro", explica, considerando que "não há nível de vida que aguente o parque automóvel existente em Portugal".

A DGV assume que só se podem conhecer as razões da fuga dos condutores nas sentenças dos processos. No entanto, "em grande número de casos", o condutor não espera pela chegada das autoridades "por ausência de seguro obrigatório, habilitação legal para a condução do veículo em causa e/ou condução sob a influência de álcool, ou substância psicotrópicas", de acordo com informação prestada por escrito.

O fenómeno da fuga "é uma espécie de efeito secundário de uma política rodoviária que assenta no agravamento das sanções e das multas como o centro da acção", sublinha Manuel João Ramos.

O psicólogo Carlos Alberto Poiares também partilha da ideia de que o abandono do local do acidente está ligado a outras transgressões graves, como o consumo de álcool em excesso, a condução sem habilitação legal ou sem seguro. No entanto, diz, há também pessoas que, quando confrontadas com a gravidade do acidente, entram em estado de pânico e fogem. "Conheci um caso em que a vítima de atropelamento não esperou pela ambulância e foi de táxi para o hospital", refere Carlos Alberto Poiares, sublinhando a necessidade de se fazer um estudo sobre o fenómeno.

O abandono do local do acidente e a não assistência à vítima é considerado crime, previsto no código penal e punido com uma pena de prisão que pode ir até aos dois anos ou pena de multa até 120 dias.

A sanção só pode ser aplicada quando se consegue identificar o condutor, o que nem sempre acontece. No caso de se tratar de um embate entre dois veículos, sem feridos ou vítimas mortais, o condutor lesado só terá direito à reparação dos estragos materiais pela companhia no caso de ter um seguro automóvel de "danos próprios", isto é, que protege o veículo, independentemente da culpa do acidente. Este é o único mecanismo que pode minimizar os prejuízos, segundo a Associação Portuguesa de Seguradores, que não tem dados sobre as consequências da fuga ao acidente.

O Instituto Português de Seguros também não dispõe de números sobre os acidentes automóveis com fuga. O único indicador que é possível consultar é o Fundo de Garantia Automóvel, que em caso de compensação de danos por acidente se substitui ao condutor sem seguro ou desconhecido. Os dados sobre as indemnizações dadas pelo Fundo de Garantia Automóvel indicam um aumento dos valores nos últimos anos. A mesma tendência parece seguir com o número de processos abertos. Em 2004, foram iniciados 3239 casos e este ano (até Junho) já foram apresentadas 3115 reclamações por acidentes em que um dos condutores não tinha seguro.