Disney on ice
E, se "A Marcha dos Pinguins" repetir em Portugal o êxito que tem obtido um pouco por todos os países onde tem sido exibido, os instintos paternais dos pinguins vão passar a ser objecto de conversa de almoço ou de pausa para o café. Porque, afinal, os pinguins-fêmea disputam os machos, menos numerosos, entre si (gajas...); elas é que vão buscar a comida para o bebé enquanto o macho fica a incubar o ovo durante dois meses (ou seja, ele é que dá a cria à luz, literalmente, e passa as passinhas do Algarve ao frio enquanto a esposa se empanturra de comida para si e para a cria); e isto dos pais babados já não é o que era, porque assim que a cria se aguenta sozinha os pais bazam e os putos que se amanhem.
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E, se "A Marcha dos Pinguins" repetir em Portugal o êxito que tem obtido um pouco por todos os países onde tem sido exibido, os instintos paternais dos pinguins vão passar a ser objecto de conversa de almoço ou de pausa para o café. Porque, afinal, os pinguins-fêmea disputam os machos, menos numerosos, entre si (gajas...); elas é que vão buscar a comida para o bebé enquanto o macho fica a incubar o ovo durante dois meses (ou seja, ele é que dá a cria à luz, literalmente, e passa as passinhas do Algarve ao frio enquanto a esposa se empanturra de comida para si e para a cria); e isto dos pais babados já não é o que era, porque assim que a cria se aguenta sozinha os pais bazam e os putos que se amanhem.
Se "A Marcha dos Pinguins" fosse só isto - ou seja: abstraindo das esquematizações, um registo mais ou menos antropológico dos hábitos do pinguim imperador em época de acasalamento - não seria nada mau. Mas Luc Jacquet não quis fazer um registo antropológico, o que o cantonaria demasiado numa formatação de documentário animal televisivo. Em vez disso, optou por humanizar a odisseia anual dos pinguins, ilustrando as arrebatadoras imagens filmadas na Antárctica com uma narração ficcionada que coloca Romane Bohringer a falar pelos pinguins-fêmea, Charles Berling pelos machos e Jules Sitruk pelas crias. Ou seja, uma espécie de antropomorfização disneyana que pudesse "abrir" o filme a outros públicos e aproximar de uma experiência humana a compreensão do que os bichos passam, seguindo o percurso de um romance-pinguim desde a corte até ao nascimento da cria, sublinhando sempre os perigos e a luta contra as probabilidades que perseguem a sua reprodução.
Conjugado com a banda-sonora amaneirada de Émilie Simon, misto de paisagismo electro-acústico orquestral e pop lateral de tendência islandeso-pontilhista a meio caminho entre Björk e os Múm, o tom pomposo e barroco (muito francês na sua abordagem científico-poética) da narração escrita por Jacquet e Michel Fessler menoriza estas imagens extraordinárias e a própria viagem dos pinguins, sabota-lhes a grandiosidade, reduz tudo a uma dimensão caseirinha e xoninhas ("oh, os pinguins são tãaaaao kriduchos") - embora, inegavelmente, acerte no alvo a que se propõe, como o prova o seu sucesso internacional. Convirá esclarecer que nos Estados Unidos (onde é o segundo documentário mais lucrativo de sempre depois de "Fahrenheit 9/11") "A Marcha dos Pinguins" estreou numa versão onde a narração original é substituída por uma adaptação na terceira pessoa contada pelo grande Morgan Freeman, e a inclusão de uma nova partitura musical de Alex Wurman. Se calhar era essa versão que deveríamos estar a ver - porque esta não faz a justiça devida aos pinguins.