Os Psico-Detectives que raio era isto?
Cinco anos depois ("Os Psico-Detectives" é de 2004), e ainda que o cenário mude bastante (dos desertos do Golfo passamos para Los Angeles, centro e arredores), Russell mantém mais ou menos os mesmos termos: personagens em "panne" psicológica e um fundo de comentário político. E a maneira como as duas coisas se conjugam e baralham é que é o segredo - fica tudo menos "legível". "Os Psico-Detectives" é daqueles filmes (em parte, "Três Reis" também era) em que se chega ao fim e há de certeza mais alguém com quem partilhar uma básica interrogação: que raio era isto, de que raio estava ele a falar?
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Cinco anos depois ("Os Psico-Detectives" é de 2004), e ainda que o cenário mude bastante (dos desertos do Golfo passamos para Los Angeles, centro e arredores), Russell mantém mais ou menos os mesmos termos: personagens em "panne" psicológica e um fundo de comentário político. E a maneira como as duas coisas se conjugam e baralham é que é o segredo - fica tudo menos "legível". "Os Psico-Detectives" é daqueles filmes (em parte, "Três Reis" também era) em que se chega ao fim e há de certeza mais alguém com quem partilhar uma básica interrogação: que raio era isto, de que raio estava ele a falar?
O argumento não saiu das mãos de Charlie Kaufman (o argumentista de "Queres ser John Malkovich?" ou "Inadaptado", um dos expoentes desta "weird America") mas podia muito bem ter saído. Encontramos um rapaz (Jason Schwartzman, outro sobrinho de Coppola) perturbado com uma coincidência (encontrou três vezes o mesmo homem desconhecido, sempre em circunstâncias diferentes), que se dirige a um consultório de "psico-detectives" (um par divertido: Lily Tomlin e Dustin Hoffman) e os contrata para lhe explicarem o sentido da coincidência. Claro que tudo evolui para territórios mais vastos, que incluem o encontro de Schwartzman com uma espécie de duplo (Mark Wahlberg), o confronto com o seu "nemesis" (Jude Law), a descoberta de uma improvável guru francesa (Isabelle Huppert, surpreendente) - entre inúmeras outras coisas, mais ou menos indescritíveis no todo ou em parte. Como nos filmes baseados em argumentos de Kaufman, entre os mundos "mentais" e o mundo "real" há mais do que uma simples contiguidade, há um trânsito livre e consideravelmente caótico.
É difícil dizer que Russell ordene tudo isto da melhor maneira, e passado algum tempo em que "Os Psico-Detectives" se mostra uma proposta entusiasmante (sobretudo enquanto está sempre a "abrir", a incluir mais e mais elementos) fica-se com a sensação de que o filme não chega verdadeiramente a levantar voo - como se fosse acumulando, acumulando, mas sem verdadeiramente "processar".
É, no entanto, suficientemente bizarro para se manter sempre à tona, e mantém-se fiel à sua premissa de base: uma espécie de conjugação entre a "neurose" e o "activismo político", resultante num sentimento de "não-pertença" e consequente cisão de identidade (David O. Russell, que tem um passado de "activismo", reconheceu que havia um pouco dele na dupla central do filme, Schwartzman e Wahlberg). Isto serve para uma espécie de olhar sobre a América corporativista (Jude Law, executivo de sorriso pepsodent, mais a namorada, Naomi Watts, modelo-emblema da cadeia de centros comercias para a qual Law trabalha), mas também sobre a América pós-"aquela coisa de Setembro" (como se diz no filme: "that big September thing"), com alguns toques relativamente perversos, como o facto de Wahlberg ser bombeiro, "but not a hero". Tudo embalado numa persistente tentativa de "recomposição" da ordem do universo, desenhada pela "revisão cosmológica" que vai sendo proposta por Hoffman e Tomlin, e mais tarde também por Huppert.
Em duas palavras, uma enorme salganhada, cheia de "wit" e (des)ordenada por uma espécie de inteligência em crise de auto-estima e com problemas de reconhecimento. Acabado o Verão, talvez não tenhamos visto bizarria maior.