Câmara da Figueira da Foz acusa ICN de permitir destruição de património do Cabo Mondego
A área em questão - propriedade da cimenteira Cimpor, onde labora uma fábrica de cal - fica situada numa zona fronteira ao parque florestal da serra da Boa Viagem, sobranceira ao mar.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A área em questão - propriedade da cimenteira Cimpor, onde labora uma fábrica de cal - fica situada numa zona fronteira ao parque florestal da serra da Boa Viagem, sobranceira ao mar.
Integra um variado património natural e ambiental, entre o qual formações rochosas de diferentes épocas do jurássico médio e pegadas de dinossauro, objecto de diversos estudos por investigadores nacionais e estrangeiros.
Em conferência de imprensa hoje realizada, seguida de visita ao local, Duarte Silva (PSD) e Helena Henriques, do departamento de Ciências da Terra da UC, apontaram ainda responsabilidades aos sucessivos governos que, desde 1994, não encontram solução para o problema.
"Anda o Ministério da Ciência a pagar investigação científica sobre este local, o Ministério da Cultura a promover a divulgação e depois vem o Ministério da Economia e manda destruir o Cabo Mondego", afirmou Helena Henriques.
"O mesmo Estado que financia, depois permite, por inércia, que este local seja destruído", acrescentou, acusando o ICN de "tratamento distinto para sítios geológicos com valor científico".
Helena Henriques referia-se, nomeadamente, às pegadas de dinossauros de Carenque - protegidas há cerca de 12 anos pela construção de um túnel na Circular Regional Exterior de Lisboa que evitou a sua destruição - e às existentes na chamada "Pedreira do Galinha" (concelhos de Ourém e Torres Novas), descobertas em meados da década de 1990 e posteriormente classificadas como monumento natural.
Na sequência de uma visita ao Cabo Mondego do então Presidente da República Mário Soares, a geóloga elaborou, em 1994, um relatório preliminar de fundamentação científica, dirigido ao Ministério do Ambiente, pedindo a classificação daquela área.
"O ICN está moribundo, não se manifesta, mas tem de assumir a responsabilidade no protelar desta situação. Estamos a falar de uma área que tem o melhor registo do jurássico médio do mundo, comprovado por peritos e instituições internacionais", disse.
Segundo a geóloga, a zona do Cabo Mondego integra-se na história da vida na terra, apontando, por exemplo, um conjunto de camadas de calcário que permitem distinguir várias épocas do jurássico "como se fossem folhas de um livro".
"Cada camada está cheia de fósseis marinhos, parentes das actuais lulas. Estão aqui memorizados vários intervalos de tempo dentro do jurássico", explicou.
Sublinhando que a classificação como monumento natural "depende do Ministério do Ambiente", a especialista lamentou que, passados quase 12 anos, "não haja uma solução".
"A ausência de decisão não é inconsequente, tem consequências", afirmou Helena Henriques, desafiando o primeiro-ministro, José Sócrates, "a ir consultar o processo".
"Durante muito tempo [José Sócrates] teve o mais alto cargo do Ambiente. Deve agora agir em conformidade, pode e deve levar a proposta a Conselho de Ministros", frisou.
Já Duarte Silva manifestou preocupação por um recurso natural "não renovável continuar a ser delapidado" e lembrou "vários anos" de contactos com o ICN para o Cabo Mondego ser classificado como geo-monumento.
Em 2002, a área foi classificada como imóvel de interesse municipal e, mais recentemente, com o avanço da exploração da pedreira para a crista Norte (zona conhecida como Vale de Anta), a autarquia "oficiou o Ministério do Ambiente" sobre a situação, mas, segundo o edil, não obteve resposta.
"O ICN dá ideia que desapareceu, não sabemos dele. Caminha-se para um desastre natural. Se isto estivesse a ser feito pela câmara, caía o Carmo e a Trindade. Como é ao contrário, ninguém nos liga nenhuma", lamentou.
A autarquia da Figueira da Foz tinha já apresentado, no mês passado, no tribunal local, uma queixa-crime contra a cimenteira Cimpor, requerendo a paragem imediata da actividade da fábrica de cal do Cabo Mondego, que acusa de atentar contra o património natural.
Na ocasião, o presidente da câmara lembrou que o espaço ocupado pela fábrica é propriedade da Cimpor desde o século XIX, anterior à lei do Domínio Público Marítimo (junto àquele local funcionaram, em tempos, as minas de carvão do Cabo Mondego), defendendo a negociação entre o Estado e a empresa para desactivação da unidade industrial.
"Imagino que a fábrica tenha o licenciamento necessário, mas o Estado tem de negociar com a empresa por forma a compensá-la, para que de uma vez por todas aquela operação seja desactivada", sublinhou, na altura, Duarte Silva.