Investidores portugueses propõem central nuclear
A intenção de apresentar ao Governo uma proposta neste sentido vai ser anunciada publicamente amanhã, em conferência de imprensa. No convite para o evento, o empresário diz que a construção da central, de última geração, será suportada por fundos exclusivamente privados.
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A intenção de apresentar ao Governo uma proposta neste sentido vai ser anunciada publicamente amanhã, em conferência de imprensa. No convite para o evento, o empresário diz que a construção da central, de última geração, será suportada por fundos exclusivamente privados.
Com a proposta, será possível "reduzir a dependência do exterior, diminuir o saldo da balança de pagamentos, cumprir os compromissos de Quioto de redução das emissões de gases de estufa e sobretudo contribuir para a criação de riqueza nacional", com electricidade produzida a partir de urânio nacional. Isto, na prática, implicaria a reactivação das minas da Urgeiriça.
O PÚBLICO não conseguiu obter detalhes do projecto com Monteiro de Barros. Mas a central que pretende construir corresponde à tecnologia conhecida pela sigla EPR (European Pressurized Water Reactor). A nova geração de centrais EPR é considerada pela indústria nuclear como a mais eficiente, económica e segura. A sua capacidade é de 1600 megawatts, 25 por cento mais do que a central eléctrica de Sines, a maior do país. Para construí-la são precisos 57 meses, após o licenciamento, e o seu tempo de vida é de 60 anos. Monteiro de Barros escusou-se a identificar o grupo de investidores, mas é provável que o Banco Espírito Santo se associe ao projecto, caso o empreendimento avance.
Em 2002, a Finlândia decidiu construir uma central destas, quase 10 anos depois da última encomenda europeia. Seguiu-se a França. Ainda assim, o continente está dividido: Alemanha, Bélgica, Holanda, Espanha e Suécia ou declararam moratórias ou querem acabar, a prazo com o seu programa nuclear.
Quatro por cento do consumoA construção de uma central nuclear em Portugal é, há quase três décadas, um assunto politicamente sensível. Mesmo em termos técnicos, as reservas continuam.
O investigador Manuel Collares Pereira responde que uma central nuclear demora pelo menos 10 anos a entrar em funcionamento, equivale a menos de 20 por cento do consumo actual de electricidade, sendo que esta representa, por sua vez, apenas 20 por cento do consumo de energia final do país. "Temos aqui um logro com a aparência de um milagre, com 20 por cento de 20 por cento", comenta o professor do INETI, embora concorde que se retome a discussão "sob todos os seus ângulos".
Um desses ângulos reporta ao custo do desmantelamento, que acrescenta o "dobro ou mais do dobro" ao investimento inicial. Acresce ainda o custo dos resíduos. "Espanha está a receber de volta o lixo nuclear que tinha enviado para Inglaterra há uns anos. O lixo também faz parte dos custos", conclui. Cada watt emitido por uma central nuclear custa quatro vezes mais do que por uma central a gás, sendo que a indústria contrapõe que nesta diferença estão incorporados custos externos, como o do desmantelamento e do tratamento dos resíduos.
O presidente da Rede Eléctrica Nacional (REN), José Penedos, afirma que há um problema a observar pelo Governo. Não tendo sido uma iniciativa discutida em campanha eleitoral e sobre a qual tenha formado posição, o ex-secretário de Estado da Energia e ex-deputado socialista considera que o actual Governo "carece de legitimidade" política para tomar uma decisão sobre o assunto para o qual não houve discussão pública. Concorda, porém, que o anúncio de um novo investimento deve ser motivo para retomar a discussão à volta do nuclear.
Horas antes de ser conhecida a intenção de investimento, Eduardo Oliveira Fernandes, autor da proposta para a reorganização do sector energético pedida pelo Governo, classificava as recentes posições dos dirigentes das associações empresariais como "ingénuas, leves e que só podem ser criticáveis", advogando que a questão passa pela eficiência energética. Também Collares Pereira sustenta que o país pode reduzir rapidamente a sua factura energética no curto e médio prazo em 20 por cento através de um programa de eficiência energética, "aprendendo a gastar bem energia sem gastar dinheiro".
Outra crítica é a de que o projecto se arrisca a ser estranho à indústria nacional. "Não existe em Portugal capacidade técnica para levar a cabo o projecto de construção de uma central nuclear. Terá tudo de ser importado", avalia António Sá da Costa, presidente da APREN, a associação portuguesa de energias renováveis.
Patrick Monteiro de Barros, ex-accionista da Galp e detentor de uma posição de referência na PT, tem sido o mais activo dos defensores do investimento em energia nuclear no país. Na sequência da polémica de Outubro passado, com a iniciativa de Sampaio Nunes de associar a opção nuclear ao plano de redução da dependência do petróleo, Monteiro de Barros veio defender que o país só conquistava a "independência energética se construir três centrais nucleares".
O empresário, que tem contado com o apoio do ex-comissário europeu Cardoso e Cunha, considerava que a opção nuclear era "inevitável", justificando esta posição com a subida do preço do petróleo, que ultrapassou esta semana os 60 dólares. A indústria eléctrica nacional utiliza, porém, quase exclusivamente carvão e gás.
O Ministério da Economia, contactado ontem, não tomou posição sobre o assunto. O PÚBLICO não conseguiu ouvir qualquer responsável do Ministério do Ambiente.
Ex-secretário de Estado da Ciência participa no projectoO projecto de Patrick Monteiro de Barros conta com a participação do ex-secretário de Estado da Ciência e Inovação, Pedro Sampaio Nunes, que defendeu o nuclear durante o Governo de Santana Lopes. Sampaio Nunes foi quem sugeriu que o recurso à energia nuclear fosse incluído no rol de medidas do programa de redução da dependência do petróleo, elaborado pelo anterior Executivo no ano passado.
A proposta, porém, acabou por não ser incluída na versão final do plano, aprovada em 4 de Novembro. O ex-secretário de Estado disse ao PÚBLICO que foi contactado para participar no projecto quando já não estava no Governo. O seu papel, segundo afirmou, é "dar colaboração técnica" e "contribuir para o amadurecimento da ideia". Sampaio Nunes foi chefe de gabinete do ex-comissário europeu Cardoso e Cunha e, durante vários anos, esteve à frente das áreas de tecnologias e de energias convencionais da Direcção-Geral de Energia da Comissão Europeia.