António de Sousa e Mira Amaral renunciam à Caixa Geral de Depósitos
A renúncia aconteceu na sequência de conversas, em separado, com o ministro das Finanças, Bagão Félix, que lhes terá manifestado a sua preocupação com a “situação de crise” que se vive dentro do principal banco português e um pilar do sistema financeiro nacional.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A renúncia aconteceu na sequência de conversas, em separado, com o ministro das Finanças, Bagão Félix, que lhes terá manifestado a sua preocupação com a “situação de crise” que se vive dentro do principal banco português e um pilar do sistema financeiro nacional.
Na origem da “crise” estão incompatibilidades insanáveis entre os dois gestores, que já não reuniam há várias semanas o que impedia a tomada de decisões estratégicas. Bagão decidiu ainda regressar ao modelo de gestão anterior, de um conselho de administração com um só presidente.
Contactado pelo PÚBLICO, o Ministério das Finanças, que detém a tutela do grupo CGD, recusou comentar as renúncias de António de Sousa e de Mira Amaral aos cargos que vinham ocupando na Caixa desde Abril por nomeação da ex-ministra Manuela Ferreira Leite.
Desde Julho, após o cancelamento de uma reunião de administração por tempo indefinido, que a aprovação de decisões estratégicas na Caixa tem sido adiada. De acordo com analistas contactados pelo PÚBLICO, a intervenção do governo tornou-se inevitável. O ministro das Finanças tinha de colocar um ponto final no braço-de-ferro dentro do grupo bancário, daí a decisão salomónica de “libertar” os dois banqueiros. O desenlace deu-se após, Bagão Félix ter recebido ontem Sousa no Ministério das Finanças.
O ministro, que também terá falado com Mira Amaral, manifestou ao presidente da CGD o seu descontentamento pelo que se estava a passar dentro da instituição, desencadeando as renúncias dos banqueiros que poderão pôr fim à paralisia no maior banco português. Nas últimas semanas começaram a surgir notícias na comunicação social dando conta do mal estar existente entre o “chairman” António de Sousa e o CEO, Mira Amaral.
Face ao falhanço do actual modelo de governação, o ministro decidiu regressar ao modelo de gestão anterior, com um conselho de administração e um presidente, sistema que considera ter dado antes bons resultados na Caixa. Falta anunciar quem será o próximo líder do grupo público, e tudo indica que o seu nome será conhecido nas próximas horas, até porque Bagão Félix quer encerrar o “dossier” CGD antes de dar a entrevista à RTP, o que acontecerá amanhã.
Durantes muitos anos existiu entre o PSD e o PS um acordo tácito para que a liderança da Caixa, a “jóia da coroa”, fosse assegurada por alguém ligado à oposição (no Banco de Portugal ficava uma pessoa conotada com o governo), entendimento que foi rompido no tempo de Durão Barroso. Ontem os nomes de que se falava como podendo ser convidados para liderar a Caixa eram todos ligados ao PSD: Miguel Cadilhe, Ernâni Lopes, Carlos Tavares e António Borges. Para integrar as administrações da Caixa, são em regra também sondadas personalidades próximas do bloco central (PSD e PS) e associadas às várias sensibilidades partidárias.
Sousa e Mira estiveram em governos de Cavaco Silva, mas os seus nomes aparecem ligados a facções distintas do PSD. A nomeação de Sousa e de Mira como “chairman” e CEO da Caixa, em Abril, coincidiu com a alteração do sistema de gestão do grupo, uma decisão polémica da ex-ministra Ferreira Leite, que criou um conselho de administração e uma comissão executiva, com presidentes distintos e dotados de poderes conflituantes. Se o modelo já não era bom, a decisão de escolher duas pessoas com personalidades e divergências estratégicas profundas ainda piorou a situação.
O modelo de gestão que está em vigor na Caixa foi proposto a Ferreira Leite por António de Sousa e visava manter os equilíbrios internos que habitualmente se verificam na poderosa instituição pública. O modelo de “chairman-ceo” adapta-se sobretudo a empresas privadas, permitindo que a Administração possa gerir a empresa com independência dos accionistas dominantes e de referência.
Para que este modelo pudesse vingar na Caixa, que é pública, teria sido necessário que houvesse uma separação de funções entre as duas estruturas de topo, o que não aconteceu, verificando-se, pelo contrário, uma confusão de funções, o que deu lugar ao avolumar de conflitos e tornou insustentável a situação que se vinha verificando. Daí a solução salomónica de Bagão de optar por “regressar atrás” e escolher um terceiro nome para liderar a empresa.