Barco da Women On Waves: Governo remete assunto para autoridade marítima
"A única coisa que preocupa o Governo é o cumprimento da lei", disse Rui Gomes da Silva, adiantando que a viagem do barco da organização holandesa, que deverá chegar a Portugal no domingo e ficará ao largo da costa portuguesa até 12 de Setembro, está a ser acompanhada pelo primeiro-ministro e pelos ministros da Defesa, Administração Interna, Saúde e Obras Públicas.
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"A única coisa que preocupa o Governo é o cumprimento da lei", disse Rui Gomes da Silva, adiantando que a viagem do barco da organização holandesa, que deverá chegar a Portugal no domingo e ficará ao largo da costa portuguesa até 12 de Setembro, está a ser acompanhada pelo primeiro-ministro e pelos ministros da Defesa, Administração Interna, Saúde e Obras Públicas.
Rui Gomes da Silva afirmou que não houve qualquer delegação de poderes do primeiro-ministro no ministro da Defesa, Paulo Portas, quanto a este assunto, o que o gabinete de Santana Lopes confirmou também em nota à imprensa.
O ministro dos Assuntos Parlamentares disse ainda que o assunto não foi abordado no Conselho de Ministros, após o qual falou aos jornalistas. Na quarta-feira, o Ministério da Defesa fez saber que agirá se for desrespeitada a legislação portuguesa em águas nacionais.
Quanto ao relançamento do debate sobre a legalização da interrupção voluntária da gravidez, Rui Gomes da Silva disse que quem define a agenda política é o Governo. "Portugal marca e define as suas próprias preocupações", sublinhou, acrescentando que o Executivo irá sempre recusar "qualquer cedência ou qualquer tentativa de marcação de agenda que não seja feita pelos portugueses".
"Politicamente não temos de retirar consequências da vinda de qualquer barco ou avião. Se o Governo marcasse a sua agenda em função da chegada de qualquer meio de transporte, então a agenda não seria marcada por questões de interesse nacional", ironizou o ministro.
A organização holandesa Women On Waves, que diz ter autorização para atracar em vários portos nacionais, sem revelar quais, tem como objectivo promover a despenalização do aborto e prestar aconselhamento sobre educação sexual e planeamento familiar.
Neste barco é possível ministrar a pílula abortiva a quem queira interromper a gravidez até às seis semanas e meia (há três anos que a associação espera licença para alargar a interrupção voluntária da gravidez a bordo do barco para doze semanas), desde que as mulheres em causa preencham os requisitos médicos e legais. "Em países nos quais o aborto é ilegal, a legislação nacional aplica-se apenas dentro das águas territoriais. Fora das doze milhas aplica-se a lei holandesa a bordo do navio", explica a organização, acrescentando que "em 2002, o ministro da Saúde holandês confirmou por escrito que a Women on Waves pode disponibilizar legalmente a pílula abortiva a bordo do navio".
Esta é a terceira vez que a organização, fundada em 1999 pela holandesa e médica de clínica geral Rebecca Gomperts, leva o navio até um país onde o aborto é ilegal, depois de já ter rumado à Irlanda, em 2001, e à Polónia, em 2003. Rebecca ganhou este ano o prémio "Margaret Sanger - Woman on valour" pelo seu papel no movimento de salvaguarda dos direitos reprodutivos.
O navio holandês vem a Portugal a convite de quatro associações portuguesas – Não te Prives - Grupo de Defesa dos Direitos Sexuais, Clube Safo, União de Mulheres Alternativa e Resposta e Acção Jovem para a Paz – e tem como objectivo chamar a atenção para a necessidade de uma educação sexual objectiva, pela disponibilização de preservativos e pela garantia de serviços legais e seguros para prática do aborto. À semelhança do que aconteceu nos outros países visitados pela Women On Waves, a sua deslocação não escapou às críticas das associações – que ou defendem a total não realização de abortos ou a manutenção da lei actual –, que apelaram ao Governo para não permitir a atracagem do barco no país.
A legislação actualmente em vigor em Portugal considera que o aborto é um crime contra a vida intra-uterina, permitindo a interrupção voluntária da gravidez apenas em casos de perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida (até às doze semanas), grave doença ou malformação congénita do feto (até às 24 semanas) ou violação (16 semanas).
Segundo a Women on Waves, cerca de cinco mil mulheres são hospitalizadas por ano em Portugal em resultado de complicações pós-aborto e entre duas a três acabam por morrer em consequência da prática de abortos ilegais e sem segurança. A mesma organização refere que Portugal é o único país da União Europeia que leva a julgamento mulheres e profissionais de saúde pelo crime de aborto, apesar de um relatório do Parlamento Europeu, datado de Junho de 2002, recomendar que a interrupção voluntária da gravidez seja tornada legal e praticada em condições de segurança e apelar aos Estados membros para que não sejam julgadas mulheres que tenham abortado ilegalmente.