Xeque-mate

Provavelmente, é o filme de Mamet que mais segue uma lógica de xadrezista: agir é avançar um pião para libertar uma torre, o mínimo gesto é fruto da ponderação das possibilidades e da previsão das consequências. Num tabuleiro como o de "Spartan", onde até o espaço e tempo são entidades abstractas, a metáfora aguenta-se bem - até porque depois há o adversário, que como é costume em Mamet é "toda a gente". Toda a gente, ou seja, o espectador: os movimentos calculados de Mamet são inteiramente definidos em função da sua antecipação das expectativas do espectador, da informação que lhe esconde e do ponto de vista que o obriga a partilhar. É o tipo de estratégia que o realizador desenvolve desde o primeiro filme, "Jogo Fatal", e o xeque-mate, pois pudera, é sempre garantido. Mas por brilhantes que continuem a ser as elaborações, é um xeque-mate que impressiona cada vez menos: demasiado habituados a não acreditar em nada do que vemos num filme de Mamet, a reconhecer cada cena e cada consequência como uma encenação cujo "off" nos é elidido, gostaríamos, para variar, de poder acreditar em alguma coisa.

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Provavelmente, é o filme de Mamet que mais segue uma lógica de xadrezista: agir é avançar um pião para libertar uma torre, o mínimo gesto é fruto da ponderação das possibilidades e da previsão das consequências. Num tabuleiro como o de "Spartan", onde até o espaço e tempo são entidades abstractas, a metáfora aguenta-se bem - até porque depois há o adversário, que como é costume em Mamet é "toda a gente". Toda a gente, ou seja, o espectador: os movimentos calculados de Mamet são inteiramente definidos em função da sua antecipação das expectativas do espectador, da informação que lhe esconde e do ponto de vista que o obriga a partilhar. É o tipo de estratégia que o realizador desenvolve desde o primeiro filme, "Jogo Fatal", e o xeque-mate, pois pudera, é sempre garantido. Mas por brilhantes que continuem a ser as elaborações, é um xeque-mate que impressiona cada vez menos: demasiado habituados a não acreditar em nada do que vemos num filme de Mamet, a reconhecer cada cena e cada consequência como uma encenação cujo "off" nos é elidido, gostaríamos, para variar, de poder acreditar em alguma coisa.

Mas bom, a massa de mestre-manipulador está-lhe no sangue, e o seu cinema depende dela. Peguemos-lhe ou larguemo-lo. O curioso de "Spartan" é que esta história - investigação de um desaparecimento, possivelmente rapto, de alguém que vimos a saber ser muito importante, mesmo que apenas simbolicamente, nos EUA- podia ser a do mais banal filme de acção. Aliás, de certa maneira, já vimos esta história ou histórias muito parecidas em filmes onde a acção tem um entendimento mais canónico e é, portanto, uma questão de músculo mais do que de cérebro, de imediatismo mais do que de calculismo. Mamet pega nessa história e leva-a até à mais estilizada abstracção - a tal ponto que, se sabemos quem é a personagem a que nos devemos agarrar e que nos conduz o olhar (a de Val Kilmer), nunca sabemos bem quem são todas as outras, muito menos quem é verdadeiramente o inimigo. Este é também o filme mais paranóico que Mamet alguma vez realizou - e mesmo sabendo que é tudo "abstracto", quando se chega à cena final e se desconstroiem (?) todas as teias e "urdiduras" montadas pelos serviços secretos e contra-serviços secretos e sabe-se lá mais o quê, o espectador pode-se interrogar por que raio se incomodam tanto com o Michael Moore (ah, mas "Spartan" não é um "documentário", claro).

Silencioso, escuro, sempre ao ralenti, é um filme de construção irrepreensível, feito para "adormecer" o espectador e obrigá-lo a ser surpreendido. O problema é se esse espectador já sabe que em Mamet o que parece nunca é, e que portanto tudo é sempre aquilo que não parece.