Adopção internacional: Portugal "importa" bebés e "exporta" crianças mais velhas

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Os bebés que Portugal quer ir buscar ao estrangeiro não levantarão, à partida, tantos problemas de adaptação como as crianças que envia Fernando Veludo/PÚBLICO

A estatística da Direcção-Geral da Segurança Social, que detém o monopólio da adopção internacional, mostra um Portugal hesitante entre um comportamento de primeiro-mundo e um estatuto de terceiro-mundo. O país não tem excedentes de bebés para adopção (como a Ucrânia, a Roménia, o Brasil, a Guatemala ou a China), mas acumula em instituições menores adoptáveis com faixas etárias mais altas, bem como fratrias e portadoras de doenças graves (caso da trissomia 21 ou síndroma de Down).

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A estatística da Direcção-Geral da Segurança Social, que detém o monopólio da adopção internacional, mostra um Portugal hesitante entre um comportamento de primeiro-mundo e um estatuto de terceiro-mundo. O país não tem excedentes de bebés para adopção (como a Ucrânia, a Roménia, o Brasil, a Guatemala ou a China), mas acumula em instituições menores adoptáveis com faixas etárias mais altas, bem como fratrias e portadoras de doenças graves (caso da trissomia 21 ou síndroma de Down).

Como cá dentro o "ideal" - leia-se recém-nascidos saudáveis - escasseia, as famílias começam a procurar bebés originários de países com ligações históricas a Portugal: sobretudo do Brasil, mas também de países africanos como Cabo Verde.

De acordo com a Segurança Social, o número de interessados em crianças estrangeiras é ainda pouco expressivo (44 candidaturas formalizadas desde 2000). Todavia, pode falar-se com todo o rigor numa tendência de crescimento.

Em 2000, a Direcção-Geral da Segurança Social recebeu seis candidaturas para a adopção internacional. O ano passado, a unidade central já recebeu 19. E em Junho deste ano tinha já coleccionado outras seis.

Há um rol de burocracias para enfrentar, designadamente obter um certificado de idoneidade que aprove a adopção de acordo com o país de origem da criança. Os processos são, ainda assim, bem mais expeditos do que os da adopção nacional (entre um e três anos, conforme a legislação do outro Estado). Desde que o actual regime entrou em vigor, em 1998, Portugal adoptou oito crianças estrangeiras e mantém pelo menos duas em regime de pré-adopção.

Os números da "exportação" são bem mais expressivos - quer em relação aos candidatos, quer em relação às crianças disponíveis. Portugal só sinaliza para a adopção internacional menores para os quais não encontra candidato dentro do país, de acordo com o "princípio de subsidiaridade estabelecido na legislação nacional". E, a avaliar pela estatística oficial, há cada vez mais menores em "fim de linha": "pacotes" de dois ou mais irmãos, crianças com idade superior a dez anos ou com problemas de saúde muito graves.

Os serviços sinalizaram para a adopção internacional 11 menores em 2000, 23 em 2001, 26 em 2002, 35 em 2003 e 14 no primeiro semestre de 2004, num total de 109. Vinte e duas crianças já estão numa situação de adopção plena. Em Junho, pelo menos 18 estavam em fase de pré-adopção no estrangeiro

As nossas crianças vão para países desenvolvidos com forte défice de menores adoptáveis e com uma explícita maior sensibilidade para aceitar crianças "diferentes", fundamentalmente para a França, para a Suíça e para a Alemanha. Curiosamente, e ainda segundo a informação fornecida pela Segurança Social, muitos destes candidatos têm nacionalidade portuguesa.

Os bebés que Portugal quer ir buscar ao estrangeiro não levantarão, à partida, tantos problemas de adaptação como as crianças que envia. Em qualquer caso, é praticamente impossível evitar que venham a sentir que lhes falta "uma história".

A equipa de adopção internacional parte do pressuposto que as crianças "têm uma grande facilidade em aprender línguas" e que os candidatos também se empenham em apreender a cultura da criança, o que em muitos casos passa por ter aulas de português.