O Carrossel Indiano

É uma festa desde as cenas iniciais, quando o preocupado pai da noiva, Lalit Verman, tenta garantir que tudo correrá bem, a poucas horas da chegada dos convidados, e do próprio noivo, um engenheiro recém-formado de Houston. E quando ainda não conhecemos os vários pequenos dramas individuais das personagens.

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É uma festa desde as cenas iniciais, quando o preocupado pai da noiva, Lalit Verman, tenta garantir que tudo correrá bem, a poucas horas da chegada dos convidados, e do próprio noivo, um engenheiro recém-formado de Houston. E quando ainda não conhecemos os vários pequenos dramas individuais das personagens.

Entramos, como num carrossel de cores e sons, sempre em movimento, na vida da família Verman. E por entre uma profusão de flores laranja que se usam nos casamentos indianos, a confusão das ruas de Deli, um "talk-show" televisivo chamado "Dehli.com", danças e músicas que vão das canções tradicionais, ao pop indiano, passando por outros géneros musicais, descobrimos que a noiva, Aditi, está cheia de dúvidas e que tem um amante (o apresentador do "talk-show").

Mas esta é apenas uma das cinco ou seis histórias pessoais que se vão desenrolando ao longo do filme. Outro dos focos dramáticos desenrola-se em torno da prima da noiva, Ria Verman, e de um velho amigo do pai, Tej, uma espécie de protector da família que, como acaba por ser revelado em plena festa de casamento, violou Ria quando esta era pequena e, apesar dos anos que já passaram, não perdeu o seu interesse por rapariguinhas.

O contraponto da festa dos "ricos" é a história de amor entre PK Dubey, o homem encarregue de organizar o casamento - e que é ao mesmo tempo uma figura cómica e dramática - e Alice, a tímida e sonhadora criada da família. PK Dubey aparece inicialmente como um desorganizado organizador de eventos, passa por uma fase em que come distraidamente flores cor-de-laranja, e acaba por se declarar aos pés de Alice, com uma coroa de flores em forma de coração.

Temas difíceis como a pedofilia, os casamentos combinados, a vida sexual das jovens indianas antes do casamento são uma marca do trabalho da realizadora Mira Nair, que conta na sua filmografia com filmes como "Salaam Bombay!" (sobre a vida dos meninos de rua em Bombaim) ou "Mississippi Masala" (o choque de culturas quando uma jovem de uma família indiana se apaixona por um negro nos EUA), ou, mais recentemente, um dos episódios do filme conjunto de vários realizadores sobre o 11 de Setembro de 2001, no qual ela optou por contar a história da família de um muçulmano acusado erradamente de envolvimento nos atentados e que, afinal, tinha sido uma das vítimas.

"Só consigo fazer filmes sobre assuntos que me entusiasmem e que me agarrem pelas entranhas. Sou atraída por ideias provocatórias, que dêem uma visão um pouco diferente do mundo, e que venham da minha região do mundo", disse Mina Nair numa entrevista. A viver actualmente em Nova Iorque, depois de um longo período na África no Sul, Nair é uma das realizadoras indianas mais conhecidas fora da Índia. Num país com a maior indústria cinematográfica do mundo, Nair não é exactamente um produto da escola de Bollywood, o género musical indiano que fascina grande parte da Ásia. "Casamento debaixo de chuva" tem algumas características do género, tem a música, as histórias românticas, as danças, mas tem muito do ritmo e da estrutura do cinema norte-americano, o que explica em grande parte o seu sucesso no Ocidente.

Uma das preocupações de Nair é a de manter uma relação muito próxima com a realidade. Este filme é a história de uma família de classe média-alta, numa sociedade em que os valores tradicionais já se misturam com muitos aspectos modernos de um mundo globalizado. A autora do argumento, Sabrina Dhawan, é, segundo explica a própria Nair, dez anos mais nova do que ela e "conhece bem como vivem os jovens indianos hoje". "Muitas coisas estão a ser postas em causa", conta a realizadora, "como por exemplo o álcool nas escolas. Pensava que era um fenómeno americano. Estes miúdos da classe média-alta têm festas e é cerveja o tempo todo. Eu não me lembro de ter tocado em álcool antes dos 20 anos".

"Queríamos capturar um tempo na sociedade indiana", explica Mira Nair, noutra entrevista, "em que estamos orgulhosos da nossa cultura, e livres de complexos coloniais. Os filmes e a música de Bollywood fazem parte da nossa vida quotidiana". E Nair está particularmente orgulhosa das suas raízes no Punjab e do facto dos punjabis serem barulhentos e histriónicos, e na Índia "representarem um pouco o que os italianos são para a Europa".

O efeito de carrossel pretende exactamente reproduzir esta sociedade em que, na descrição da realizadora, "absorvemos, pedimos emprestado, assimilamos, plagiamos, roubamos, e de alguma forma misturamos tudo isso para fazer uma coisa indiana que é inimitável".