Todos a postos para o trânsito de Vénus
Até 5 de Outubro de 1995, todos os planetas que se sabiam existir no Universo eram os do nosso sistema solar. Mas desde então, o lugar único de Mercúrio, Vénus, Terra, Marte, Júpiter..., e por aí fora, nunca mais foi o mesmo, com a descoberta de mais planetas em órbita de outras estrelas.
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Até 5 de Outubro de 1995, todos os planetas que se sabiam existir no Universo eram os do nosso sistema solar. Mas desde então, o lugar único de Mercúrio, Vénus, Terra, Marte, Júpiter..., e por aí fora, nunca mais foi o mesmo, com a descoberta de mais planetas em órbita de outras estrelas.
Tornou-se oficial: os planetas do nosso sistema solar não são os únicos do Universo. Havia pelo menos um planeta a 40 anos-luz de distância da Terra, em redor da estrela Pégaso 51. Foi descoberto de forma indirecta, através de pequenas oscilações da estrela, para trás e para a frente, sob o efeito da gravidade do planeta. Mas em 1999 sucedeu algo extraordinário: viu-se um planeta a passar diante da estrela, roubando-lhe um pouco de brilho. Essa foi a primeira vez que se detectava um planeta de forma directa.
Havia, a partir daí, duas técnicas de detecção de planetas extra-solares, ou exoplanetas, como se chama a estes mundos que orbitam outras estrelas. Uma dessas técnicas é demonstrada hoje, a milhões de pessoas, quando Vénus passar diante do Sol.
A técnica dos trânsitos para detectar planetas extra-solares consiste na medição continuada do brilho de uma estrela para tentar observar se diminui. Isso poderia revelar que um planeta ou outra estrela passava à sua frente. Os habitantes da Terra só podem ver o trânsito de Vénus e de Mercúrio pelo disco solar, pois são os únicos planetas entre a Terra e o Sol.
Mas no nosso sistema solar dão-se outros trânsitos, como é o caso sempre que as quatro grandes luas de Júpiter - Io, Europa, Calisto e Ganimedes - passam à frente daquele planeta, o maior do nosso sistema solar. Como as luas de Galileu - assim chamadas porque foi ele quem as descobriu, no século XVII - orbitam Júpiter em apenas alguns dias, este fenómeno é frequente, explica o boletim do Observatório Astronómico de Lisboa (OAL). Mas a observação destes trânsitos não é fácil, porque o disco de Júpiter é muito brilhante e ofusca a luz dos seus satélites naturais. Só quando passam em zonas mais escuras de Júpiter se vê o fenómeno.
Ora, foi a técnica do trânsito que, em 1999, tirou as dúvidas aos cépticos sobre a detecção de planetas extra-solares, como conta o astrofísico Alfred Vidal-Madjar numa entrevista publicada no livro "Estaremos Sozinhos no Universo?" (Âncora Editora).
Antes disso, ainda nesse ano, esse planeta fora descoberto à volta de uma estrela amarela parecida com o Sol, chamada HD 209458, na direcção da constelação de Pégaso. Essa detecção fizera-se como até aí os cientistas detectavam planetas extra-solares, incluindo a equipa dos Michel Mayor e Didier Queloz, do Observatório de Genebra, a quem coube a descoberta histórica de 5 de Outubro de 1995 - pelo método das velocidades radiais, que mede as variações na velocidade de uma estrela causadas pelo efeito gravitacional de um planeta. Se a velocidade e a posição da estrela oscilarem periodicamente, quer dizer que terá um corpo à volta, e poderá ser um planeta.
"Um planeta, encontrado em volta da estrela HD 209458, foi detectado de forma indirecta por diversas equipas de observadores, e depois foi captado de novo, de forma directa, quando passou diante da estrela, a 9 e 16 de Setembro de 1999, exactamente no momento em que era esperado", relata Vidal-Madjar. Podia-se passar a usar um novo método para detectar planetas extra-solares.
Conhecem-se agora mais de 120 planetas extra-solares, entre os quais quatro observados pelas duas técnicas. A conjugação de métodos pode dar informações preciosas sobre estes mundos gasosos e gigantes.
A técnica dos trânsitos dá uma ideia do raio do objecto a passar defronte da estrela e do tempo que leva a completar uma volta, mas tem limitações, explica o astrofísico Nuno Santos, do OAL, que fez o doutoramento sobre planetas extra-solares sob a orientação de Michel Mayor. Aos 30 anos, continua a colaborar com a equipa de Genebra e assim já participou, desde 1998, na descoberta de cerca de 50 planetas.
Como limitações, o astrofísico português refere que o método dos trânsitos não permite dizer o que é e não é um planeta, porque uma estrela muito pequena e um planeta muito grande parecem ter o mesmo tamanho. A técnica das velocidades radiais, no entanto, permite determinar a massa e dizer se é uma estrela, um planeta ou outro objecto.
Juntando as duas técnicas, pode detectar-se um corpo em órbita de uma estrela, confirmar-se que é um planeta, ou não, e até estudá-lo: por exemplo, saber a sua densidade. Por isso, em relação aos quatro planetas observados com as duas técnicas, há dados mais pormenorizados sobre a distância a que estão da estrela, a massa, o raio e a densidade média.
Mas mesmo com as duas técnicas, só se conseguem detectar planetas monstruosos feitos de gases, como Júpiter ou ainda maiores, e que estão na Via Láctea, a nossa galáxia - de maneira geral, estão todos próximos da Terra, a algumas centenas ou milhares de anos-luz de distância (o tempo que a luz que emitem, a viajar a 300 mil quilómetros por segundo, demora a chegar cá).
Será que na vastidão do Universo não há planetas mais pequenos, como a Terra e Marte, que são telúricos e têm uma superfície dura? Esse é o próximo passo da exploração de novos mundos, que, entre outras perguntas, desde logo levantaram a interrogação de sabermos se terão alguma forma de vida.