Casa Pia: testemunhas enganaram-se na identificação de Paulo Pedroso

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Os advogados de Paulo Pedroso anunciaram a vontade de processar quem o acusou Tiago Petinga/Lusa

O documento conclui ainda que as perícias sobre a personalidade das testemunhas "são úteis num contexto clínico", mas "não têm validade para atestar se determinada pessoa fala verdade" na identificação de abusadores.

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O documento conclui ainda que as perícias sobre a personalidade das testemunhas "são úteis num contexto clínico", mas "não têm validade para atestar se determinada pessoa fala verdade" na identificação de abusadores.

O não pronunciamento do deputado socialista, que estava acusado de 23 crimes de abuso sexual de crianças, foi a principal novidade da decisão da juíza Ana Teixeira e Silva. No despacho, que a Lusa hoje divulga, a juíza referiu que as circunstâncias do reconhecimento do deputado pelos "rapazes" da Casa Pia, não só "coloca sérias e fundadas dúvidas sobre a qualidade e a validade da identificação do arguido Paulo Pedroso", como "inculca a forte convicção de que os ofendidos se enganaram quanto à mesma (o que não é estranho nem incompreensível)".

Apesar desta conclusão, a juíza salienta que "equívoco (por parte das testemunhas) não é sinónimo de mentira". Citando o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que determinou a libertação de Paulo Pedroso, após quatro meses e meio em prisão preventiva, a juíza lembra que "o reconhecimento é um meio de prova muito delicado".

A fotografia número oito, na qual Paulo Pedroso foi identificado pelas testemunhas, "tem uma dimensão reduzida (aproximadamente cinco centímetros por cinco), aliada às suas fracas qualidade e nitidez (a preto e branco, muito escura)", segundo a juíza.

Ana Teixeira e Silva escreve que "os reconhecedores nada sabiam do arguido Paulo Pedroso: nem o seu nome, nem a profissão (apenas um deles achava que era 'político'). Nenhum deles mencionou características faciais de relevo (indivíduo de óculos, mais novo que o arguido Jorge Ritto) nem outros elementos distintivos perceptíveis no contexto (como por exemplo, a marca do carro)", diz a juíza.

A magistrada frisa que "mesmo o arguido Carlos Silvino nunca mencionou o nome do arguido Paulo Pedroso, nem sequer na carta que endereçou ao juiz de instrução já depois de conhecer o teor da acusação, certamente elaborada pensadamente e com cuidado, com a colaboração declarada do seu ilustre advogado (apenas mencionando os nomes dos arguidos Gertrudes Nunes, Hugo Marçal, Jorge Ritto, Ferreira Diniz e Carlos Cruz)".

A juíza observa ainda que, "demonstrada a existência de uma particularidade física invulgar neste arguido (a ginecomastia - proeminência acentuada da mama direita) e o uso de um aparelho dentário fixo, entre Outubro de 1999 e 12 de Julho de 2000, é evidentemente estranho que nunca lhes tenham aludido" (as testemunhas), nos relatos de práticas de sexo oral imputadas ao arguido e que constam da acusação.

Herman José estava no Brasil

"Ficou inequivocamente demonstrado" que Herman José estava ausente de Portugal na data em que é acusado de acto homossexual com adolescente, lê-se também no despacho. A juíza Ana Teixeira e Silva despronunciou Herman José de todos os crimes que lhes eram imputados na acusação por ter sido provado que entre entre 6 e 13 de Fevereiro de 2002 o humorista estava no Brasil e que não podia ter cometido o crime de acto homossexual com adolescente a 8 de Fevereiro, como consta da acusação do Ministério Público.

"Em suma, não há no processo elementos bastantes que possam conduzir à conclusão que o ofendido se enganou na data e bem assim, que a mesma deva ser alterada. Para efeito de pronúncia, naturalmente, porque o que interessa é a data mencionada na acusação e, soçobrando esta, inexiste prova suficiente para a submissão do arguido (Herman José) a julgamento", conclui a juíza no despacho.

A falta de elementos sobre a utilização da casa do arqueólogo Francisco Alves para práticas sexuais com menores da instituição levou também a juíza a abandonar as acusações de lenocínio.

"Se é legítimo ter como indiciada a ocorrência dos abusos na citada casa (na Ajuda), inexistem elementos que permitam concluir que o arguido Francisco Alves estava a par de que aí iriam ocorrer práticas sexuais com jovens, menores de 14 ou 16 anos e alunos da Casa Pia de Lisboa", diz o despacho instrutório.

O arqueólogo subaquático não foi pronunciado pelos 34 crimes de lenocínio (favorecimento da prostituição ao ceder a sua casa) e vai apenas a julgamento por um crime de posse ilegal de armas e munições, encontradas na sua residência durante uma busca no âmbito das investigações do processo.

Perícias psicológicas

A juíza concluiu que as perícias sobre a personalidade das testemunhas "não têm validade para atestar se determinada pessoa fala verdade" quando identifica alegados abusadores. Ana Teixeira e Silva contesta no despacho o alcance dos testes psicológicos feitos aos alunos da Casa Pia, especificando que "os testes aplicados nas perícias são úteis num contexto clínico e terapêutico, mas não têm potencialidades ou validade para 'atestar se determinada pessoa fala ou não verdade quanto à identificação que faz das pessoas que supostamente dela abusaram'".

"Não se deve confundir um eventual juízo pericial sobre a credibilidade global de um testemunho com a questão da veracidade dos factos relatados", refere a magistrada, sublinhando que "um juízo sobre a credibilidade apenas deve centrar-se sobre a capacidade de um sujeito para prestar testemunho".

"Uma testemunha saudável e inteligente, ou até sofrendo de perturbação emocional decorrente de abusos realmente sofridos, pode, ainda assim, estar confundida por qualquer motivo, e não há método objectivo de o demonstrar", defende a juíza.