A dor e a raiva das primeira horas

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A capital espanhola despertou esta manhã para a tristeza, a apreensão e o retraimento Paco Campos/EPA

Aníbal diz que, quando aconteceu o primeiro rebentamento, nem sequer imaginou que se tratasse de um atentado bombista. “Foi numa outra carruagem e não nos apercebemos do que se tratava. Pouco depois, mais uma. E depois, outra. Aí, deixámos de ter dúvidas e apercebemo-nos do cenário aterrador à nossa volta: mortos, amputados, gente coberta de sangue. Nunca me passou pela cabeça que um dia ia viver algo semelhante”.

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Aníbal diz que, quando aconteceu o primeiro rebentamento, nem sequer imaginou que se tratasse de um atentado bombista. “Foi numa outra carruagem e não nos apercebemos do que se tratava. Pouco depois, mais uma. E depois, outra. Aí, deixámos de ter dúvidas e apercebemo-nos do cenário aterrador à nossa volta: mortos, amputados, gente coberta de sangue. Nunca me passou pela cabeça que um dia ia viver algo semelhante”.

Emília Correa, uma jovem doméstica que vive muito perto da estação de Santa Eugénia, também não queria acreditar que o clarão que viu da cozinha, onde preparava o pequeno almoço para os filhos, fosse de uma explosão. “Pensei que tivesse acontecido um problema com os cabos eléctricos do comboio. Que fosse um incêndio, não uma explosão”, contou ao PÚBLICO e a outros jornalistas que a procuraram. Depois, apercebeu-se que tinha assistido em directo, por acaso, à maior matança perpetrada por terroristas na Europa. “Não sabia o que dizer aos meus filhos”. Acabou por ser a televisão a mostrar-lhes.

As carruagens atingidas àquela hora da manhã transportavam muitos trabalhadores que se dirigiam aos seus empregos, muitos emigrantes magrebinos e da América Latina, como Aníbal, muitos estudantes... E crianças, não se sabia quantas. “Foi horrível, era como nos filmes. O sofrimento das mães nunca mais vai sair-me da cabeça”, lembrou o equatoriano que trabalha num restaurante e que já decidiu que n„o volta a utilizar o comboio para as deslocações do dia-a-dia.

Logo depois do atentado vivido de perto por Aníbal e Emília, quem teve de conviver com a a tragédia, com a dor e com o sangue foram os técnicos do Summa (Instituto de Emergência Médica espanhol). O relato de Alfonso Infante, um dos primeiros médicos a entrar na estação madrilena, revela o horror em toda a sua expressão: “O cenário era medonho. Muitos cadáveres espalhados pelo chão, pessoas que tinham perdido a consciência, dezenas de traumatizados e muitos deles em estado muito grave. A nossa primeira preocupação foi acudir-lhes”, contou aos jornalistas já ao fim da manhã, quando a triste missão tinha terminado.

Tristeza, dor e raiva a cada esquina

A essa hora, o trágico número de vítimas do atentado ainda não era conhecido em toda a sua dimensão pelos aterrados habitantes de Madrid. Pressentia-se, no entanto, que a consequência das explosões apontava para uma mortandade nunca vista numa Espanha familiarizada com os atentados da ETA. “Tudo serviu para levar os feridos”, lembrou Fernando Guerrero, que vive paredes meias com a estação de Atocha e que foi para lá mal se apercebeu de que tinha havido problemas. “Quando cheguei aqui (até onde era possível ir sem ultrapasar o perímetro policial), o movimento era louco. Muitos feridos foram transportados para o hospital por taxistas e outros em autocarros do Exército, porque as ambulâncias requisitadas não chegavam para tanta solicitação”.

Guerrero, como muitos outros madrilenos que se juntaram nas imediações do local do acidente durante a manhã de ontem, tinha muitas dúvidas a inquietar-lhe a cabeça. “Como é que a ETA, que se diz de esquerda, faz uma coisa que vai beneficiar o Partido Popular, que é de direita?".Podem ter sido fundamentalistas árabes, contrapomos. “É a única hipótese, porque eles não gostaram que a Espanha fosse tão activa na guerra contra o Iraque”. A tese, num pequeno círculo de conversa que se instalou, não fazia, no entanto, vencimento. “Há muito tempo que a ETA queria realizar um atentado de grandes dimensões em Madrid”, afirmava um homem de idade que reivindicava a “pena de morte para os terroristas” e a “expulsão do país de todos os políticos que com eles negoceiam”.

Depois de um dia de nervosismo festivo gerado pelo jogo entre o Real Madrid e o Bayern de Munique, a capital espanhola despertou para a tristeza, a apreensão e o retraimento. Uma bandeira vermelha e amarela gigante, colocada a meia haste e vergada sobre um mastro na histórica Praça Colón, era um desses testemunhos da desolação que se abatera sobre a capital espanhola. As declarações dos madrilenos iam, inevitavelmente, no sentido da condenação dos atentados. Pequenas manifestações espontâneas, realizadas aqui e ali, davam bem para testar a repulsa e a revolta que lhes ia na alma. “Como é que meia dúzia de assassinos põem em causa o nosso sossego, os nossos amigos, as nossas crianças? É uma barbaridade”, lamentava ao PÚBLICO um jovem economista que se associou aos cinco minutos de silêncio que toda a equipa do Ministério da Fazenda realizou às portas da instituição, na Avenida Castellana.

Não era preciso dizer mais nada. A tristeza, a dor e a raiva sentiam-se a cada esquina. Na estação ferroviária de Atocha, de onde chegam comboios carregados de trabalhadores e de onde partem os comboios de alta velocidade que são uma expressão da Espanha europeia e moderna, houve quem quisesse pôr a história a andar para trás.