É agora ou nunca Antonioni Country
De algum modo, o filme do porto-riquenho Miguel Arteta insere-se numa perspectiva contrapolar a um dos géneros clássicos do cinema americano, a "americana" - género que hoje em dia praticamente só existe na sua versão "em negativo", como a cultivada por "The Good Girl". É uma versão "revisionista", como é óbvio, menos crente e muito mais cínica, que colhe quase toda a sua energia na oposição entre um mundo idealizado (social e moralmente) e a sua concreta manifestação quotidiana. Não deve haver coisa mais filmada em todo o cinema americano do que a mitologia das comunidades, das cidadezinhas ordeiras e fraternas que reproduzem em maquette uma visão idealista da própria América. É curioso que, mesmo que o registo mude e se torne no seu reverso, essa mitologia continue a ser revisitada com alguma insistência.
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De algum modo, o filme do porto-riquenho Miguel Arteta insere-se numa perspectiva contrapolar a um dos géneros clássicos do cinema americano, a "americana" - género que hoje em dia praticamente só existe na sua versão "em negativo", como a cultivada por "The Good Girl". É uma versão "revisionista", como é óbvio, menos crente e muito mais cínica, que colhe quase toda a sua energia na oposição entre um mundo idealizado (social e moralmente) e a sua concreta manifestação quotidiana. Não deve haver coisa mais filmada em todo o cinema americano do que a mitologia das comunidades, das cidadezinhas ordeiras e fraternas que reproduzem em maquette uma visão idealista da própria América. É curioso que, mesmo que o registo mude e se torne no seu reverso, essa mitologia continue a ser revisitada com alguma insistência.
Neste caso, para o dizer com uma ironia não desajustada do filme, Arteta revisita essa mitologia para verificar a que ponto ela deu lugar a uma espécie de "Antonioni country", em versão bastante mais proletária. "The Good Girl" é, resumidamente, a história do tédio de uma mulher (Jennifer Aniston, que nunca vimos assim, o "hype" tem razão), empregada num supermercado e casada com um pintor de construção civil (John C. Reilly) meio apatetado, e dos sarilhos em que ela se mete quando não resiste a "apimentar" um pouco os seus dias. Embeiça-se por um colega muito mais novo do que ela (Jake Gyllenhaal), um jovem candidato a escritor obcecado (claro) pelo "Catcher in the Rye", que revela ser, mais do que um tipo estranho, um potencial psicopata. A partir daí, nasce a inevitável confusão.
Destaquem-se dois atributos fundamentais no filme de Arteta. Por um lado, uma irrepreensível precisão do ritmo narrativo, pausado sem nunca ser meramente "poseur", capaz de alguma sofisticação sem nunca parecer (esparrela propícia a apanhar "independentes") estéril nem "arty" - qualidades que são ampliadas por uma ironia que nasce sempre de uma cuidadosa distância em relação às personagens, aos lugares e às situações. Depois, um notável sentido de definição das personagens, conduzidas até ao limite em que, com uma pincelada a mais, se tornariam estereótipos perigosamente anedóticos. Mas nem no marido nem no amante (as personagens mais levadas a esse limite) essa fronteira é cruzada, e aliás Jake Gyllenhaal volta a provar, com aquela "allure" magoada de "Donnie Darko" ou "Moonlight Mile", que é mesmo um dos mais estimulantes "jovens actores" do cinema americano contemporâneo.
Também por essa justeza do trabalho dos actores, "É Agora ou Nunca" é um filme bastante sedutor, bastante "certo", a merecer uma espreitadela mesmo que não seja, propriamente, o mais natalício dos filmes.