José Eduardo Moniz: "Nenhum programador faz a televisão de que gosta"

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Passam cinco anos sobre a chegada de José Eduardo Moniz ao quarto canal Miguel Madeira/PÚBLICO

Assume-se como gestor de televisão e dirige um canal que pouco tem a ver com os seus gostos pessoais. "Nenhum programador faz a televisão de que gosta", disse em entrevista ao PÚBLICO José Eduardo Moniz, que hoje completa cinco anos à frente da estação como director-geral. Informação, que promete reforçar, ficção e entretenimento vão manter-se como os pilares da programação do canal que "atingiu o estágio de maturidade". Agora, o desafio de Moniz é lutar para que a TVI continue a ser o canal "mais rentável". Mais do que perseguir a liderança das audiências, quer que a audiência da estação seja rentável e mais homogénea durante todo o dia.

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Assume-se como gestor de televisão e dirige um canal que pouco tem a ver com os seus gostos pessoais. "Nenhum programador faz a televisão de que gosta", disse em entrevista ao PÚBLICO José Eduardo Moniz, que hoje completa cinco anos à frente da estação como director-geral. Informação, que promete reforçar, ficção e entretenimento vão manter-se como os pilares da programação do canal que "atingiu o estágio de maturidade". Agora, o desafio de Moniz é lutar para que a TVI continue a ser o canal "mais rentável". Mais do que perseguir a liderança das audiências, quer que a audiência da estação seja rentável e mais homogénea durante todo o dia.

P. - Ainda acha um desafio trabalhar na TVI?

R. - Agora o desafio é muito mais complicado, porque atingimos uma situação confortável, acima dos 30 pontos [12,9 há cinco anos]. Temos uma situação fantástica no "prime-time", somos a estação mais rentável, mas para manter essa situação precisamos de ser inovadores. O maior desafio é conseguir introduzir linhas de evolução dentro do esqueleto base dos últimos anos.

P. - Esta TVI é a televisão que queria fazer?

R. - Nenhum programador faz a televisão de que gosta. Porque se assim fosse, provavelmente a TVI teria uma posição muito diminuta no mercado relativamente àquilo que são as necessidades de uma empresa privada.

P. - Mas tem os meios para a fazer a TVI que pretende?

R. - Nenhum responsável por qualquer empresa se sente satisfeito com os meios. Nos últimos dois anos, Portugal, tal como toda a Europa, entrou em crise. Nós ajustámos a nossa programação e a nossa informação para a empresa poder funcionar com padrões de rentabilidade adequados.

P. - A sua TV não seria líder. Quanto conseguiria?

R. - Tenho uma extrema simpatia pela TVI antiga. A grande lacuna da TVI quando cá cheguei era a informação. Porque, de resto, tinha excelentes séries e filmes. Era uma estação extremamente agradável, porventura menos stressante, mas obviamente nunca competiria nem com a RTP nem com a SIC, muito menos com esta TVI actual. A minha televisão assentaria numa grande dose de informação, num conjunto de séries e de bom cinema.

P. - Quando chegou à TVI disse que queria uma "programação abrangente, com componentes diversificadas". Mas a diversificação não tem sido muita.

R. - A diversificação pode-se fazer dentro dos mesmos géneros. A ficção dá estabilidade a uma grelha e é possível dentro da ficção introduzir diversificação. A nossa programação é feita com duas novelas à noite, mas sempre que podemos introduzimos séries diferentes.

P. - Qual é o projecto da TVI?

R. - O projecto TVI está claro: informação, ficção e produtos de entretenimento, como o BB, e há uma quarta opção que tem a ver com cinema. Tomara eu poder começar a passar cinema bastante mais cedo.

P. - Depois do triângulo informação, ficção e Big Brother, percebeu que a TVI tinha que diversificar a sua programação, mas todas as tentativas que fez nesse sentido falharam (Rosa Choque, Grande Oportunidade, Eu Confesso, Mão de Ouro).

R. - Está a misturar muita coisa no mesmo saco. O Eu Confesso teve grandes resultados e vai voltar. O Mão de Ouro, teve excelentes resultados, e está a ser discutida a hipótese de voltar. Quando à Grande Oportunidade, não descartámos a hipótese de colocar outra vez em antena, mas o programa estava numa situação muito ingrata, porque novela [da Globo] combate-se com novela. Quanto ao Rosa Choque, tive pena que não tivesse resultado melhor. O programa estava bem pensado numas coisas, menos bem noutras.

P. - A fórmula do Big Brother está a esgotar-se?

R. - Não. Há fases de aquecimento. A curva deste Big Brother é muito semelhante à dos outros.

P. - A TVI está a precisar de um outro "pontapé" em sentido figurado?

R. - Não tem a ver com isso. Em todos os Big Brothers, há uma progressão gradual, e normalmente é a partir do princípio ou de meados de Outubro que o programa sobe mais. É preciso ter a noção de que é um produto que funciona em variadíssimos horários, de manhã, à tarde, à noite.

P. - E depois não quer aceitar as críticas de que há uma monocultura na TVI?

R. - Falam da monocultura por causa das novelas. E aí respondo sempre da mesma forma: não sei como podem apontar ao meu telhado que é construído com produção em português quando há telhado feito com vidro brasileiro que ocupa muito mais horas.

P. - A TVI precisa de um novo "clic"?

R. - A TVI atingiu o estágio de maturidade. Posicionou-se no patamar acima dos 30 pontos [contas feitas a quatro canais] que era a posição para ser a estação mais rentável de Portugal e das mais rentáveis da Europa. E iremos lutar para manter essa posição. A partir daí tudo o que venha em acréscimo é bom.

P. - Mas um segundo lugar, a prazo, não pode desviar investimento para outro canal?

R. - Ser líder é muito fácil. Se quisermos ter a liderança até ao final do ano, gastamos um ou dois milhões de contos e é líder.

P. - Mas depois não conseguem ter retorno?

R. - É evidente. A preocupação central hoje em dia é esta. Este mercado tem três operadores, é normal haver equilíbrio. O que não era normal era haver um com quase 50 por cento de "share", outro com 30 e outro com 12. Gostaria de só poder discutir audiências. Muitas vezes não pomos um dado filme no ar porque não temos orçamento. Vamos imaginar que chegamos a dia 20 e verificamos que estamos a derrapar nos custos, há que cortar desalmadamente. Se o filme custa cinco mil contos é substituído por um de 500. Se calhar não pudemos fazer isso e temos que retirar os filmes todos e substituí-los por produção interna que nos permita encaixar em termos orçamentais. Por isso é que nos sujeitamos a que vocês [jornalistas] digam que não temos estratégia nenhuma. As alterações de programação têm a ver com isso.

P. - Se a TVI é rentável, por que é que não deixou de fazer pressão para diminuir a publicidade na RTP?

R. - Num mercado em que a oferta se alarga - TV Cabo, Internet - a última coisa que o Estado devia fazer era intervir no mercado aberto e livre. Se tem um serviço público para prestar, presta-o com base em financiamento que seja transparente e não a desviar financiamento que deve ir apenas e só para operadores privados. No dia em que a RTP não tiver publicidade, nesse dia vai fazer serviço público. E vamos deixar de ouvir aquelas explicações fantásticas que futebol é sempre serviço público. A RTP tem um orçamento invejável, no entanto grande parte investe-o a comprar futebol. Com esse dinheiro fazia seis séries de televisão que estabeleceria a diferença entre a função de um canal público e as aspirações de um canal privado.

P. - As novelas e séries da TVI tiveram o mérito de pôr os portugueses a ver ficção portuguesa e dinamizar o mercado da produção, mas a qualidade é muito baixa e temos um longo caminho a percorrer.

R. - Não direi que a qualidade é baixa, mas temos um longo caminho a percorrer. Em cada produção a qualidade melhora.

P. - Qual é o ponto fraco?

R. - O problema central tem a ver com as histórias e com o seu desenvolvimento. Não basta criar uma boa história; as dificuldades, às vezes, residem na forma como ela evolui. Depois não há uma escola de actores em Portugal. Em terceiro lugar, a capacidade de produção não é grande e depois há falta de atrevimento na realização.

P. - Com os horários que têm, é dos poucos que vê as séries da TVI no "late night"?

R. - Não... Vamos ver como é que isto evolui. Desde que surjam séries internacionais fortes obviamente que as pomos em antena. Não posso é numa altura em que preciso de fazer 30 ou 35 por cento pôr lá qualquer coisa que à partida sei que faz 20. Se a puser a Causa Justa às dez da noite faz 14 por cento. Isso era colocar a cabeça a jeito para que alguém ma cortasse.

P. - Qual vai ser a estratégia de programação da TVI?

R. - Não vamos afastar-nos muito do que são as coordenadas base da programação de qualquer estação generalista. Vamos continuar a ter informação de referência e ficção portuguesa. Estamos no mercado internacional à procura de alguns formatos de entretenimento, temos muita coisa identificada e iremos tomar decisões. Temos de ter uma estação mais homogénea o dia todo. O meu objectivo é que pudéssemos ter, desde que abrimos até que fechamos, uma audiência média à volta dos 30 por cento de "share". Esse seria o patamar ideal.

P. - E quanto ao seu programa? Temos um tabu?

R. - Ainda ontem estive a discutir isso. O meu drama é perceber se consigo fazer uma coisa com regularidade. Ontem ficámos com o esqueleto desenhado. Não tenho data.

P. - É ainda para este ano?

R. - Sim, com certeza.

P. - É de informação ou de entretenimento?

R. - Sou jornalista.

P. - A TVI bem precisa de programas de informação...

R. - Se for preciso o jornal ter três horas num dia, tem. Se organizássemos um debate entre o primeiro-ministro e o líder da oposição, se fosse aceite pelos dois, seria no Jornal Nacional e podia terminar às 22h30. Não faria como a RTP que organiza debates às 11 da noite ou à meia-noite.

P. - Mas vai criar novos espaços de informação?

R. - Sim, vamos. A atitude vai ser a mesma de sempre. Vamos ter horários, espaços (não digo se um ou dois) onde vai haver oportunidade para se discutir, debater. Também não sei com que periodicidade. Quero ter uma intervenção maior da informação da TVI na sociedade portuguesa.

P. - A que é que acha que o seu nome vai ficar ligado na história da televisão. À RTP, ao Big Brother, à TVI?

R. - Não me arrependo de nada do que fiz em termos profissionais. Estive na RTP monopolista e em algumas fases muito excitantes como a do período pré e de embate das televisões privadas. Foram épocas fantásticas da minha vida. Gostaria que me vissem como o homem que gosta de fazer televisão, seja na RTP seja na produtora. Gostaria de ser associado a televisão e mais nada.