Amélie no Bordel

É claro que, sendo um cineasta mais académico e engravatado do que Jean-Pierre Jeunet, Patrice Leconte dispensa-se de malabarismos pirotécnicos - o que não torna o seu filme melhor nem pior; é tão enfadonho como, mas com a leve vantagem de ser menos irritante. Mas, no essencial, parece clara a colagem a um universo de "maravilhoso nostálgico", habitado por personagens que são a encarnação da pureza e da bondade no seu estado mais puro.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

É claro que, sendo um cineasta mais académico e engravatado do que Jean-Pierre Jeunet, Patrice Leconte dispensa-se de malabarismos pirotécnicos - o que não torna o seu filme melhor nem pior; é tão enfadonho como, mas com a leve vantagem de ser menos irritante. Mas, no essencial, parece clara a colagem a um universo de "maravilhoso nostálgico", habitado por personagens que são a encarnação da pureza e da bondade no seu estado mais puro.

O filme leva-nos, então, aos anos 40 parisienses (ou mais atrás ainda), antes de no imediato pós-Segunda Guerra serem ilegalizados os bordéis e as prostitutas terem que se mudar para a "rua". Essa é alínea nostálgica do filme de Leconte - é claro que conta menos a evocação dos bordéis legais do que o tempo em que os bordéis eram legais, uma coisa não é exactamente a outra -, evocação de um mundo que desapareceu e de uma organização social que entretanto se pulverizou (e, já agora, visto que numa cena as personagens vão ao cinema ver um Duvivier, evocação de um cinema francês que também deixou de ser o que era).

Num ambiente bastante beato - se ninguém soubesse, ninguém diria que todas as mulheres do filme são prostitutas -, Patrice Leconte vai então contar a história de Petit Louis (Patrick Simsit), verdadeiro Amélio Poulain do filme, nado e criado dentro dum bordel, e da sua paixão assolapada e platoniquíssima (passe o superlativo neologismo) por uma prostituta (interpretada por Laetitia Casta). Petit Louis é, claro, uma criatura feita de uma massa da mais pura bondade aluada, um ser assexuado em quem o desejo se sublima por interpostas pessoas - será essa a sua maneira de viver o amor pela personagem de Casta, encontrar-lhe o homem da vida dela, contentando-se ele com um papel de mascote ou coisa parecida.

O filme tem ambições de melodrama (pelo menos o preâmbulo, com as prostitutas que lançam o "flash back", assim parece indiciar) mas é obviamente difícil cumprir as obrigações de um melodrama tendo como centro uma personagem tão apatetada e transparente (é que nem chega a ser irritante, porque nem sequer chega verdadeiramente a existir). Resta-lhe, portanto, a ambição de ser um conto de fadas "ameliepoulainesco", com desfecho dramático provavelmente para lembrar que a vida não é um conto de fadas.

Enfim, é um registo que a julgar pelas amostras terá os seus admiradores, mas é difícil de resgatar "Rua dos Prazeres" à mais anódina puerilidade. Apesar de tudo Patrice Leconte, se nunca foi um cineasta particularmente brilhante, até costuma ser mais sóbrio e mais adulto do que isto.